terça-feira, 20 de novembro de 2007

Fora, Povo!

Pesquisa recente concluiu que a elite brasileira é mais moderna, ética, tolerante e inteligente do que o resto da população. Nossa elite, tão atacada através dos tempos, pode se sentir desagravada com o resultado do estudo, embora este tenha sido até modesto nas suas conclusões. Faltou dizer que, além das outras virtudes, a elite brasileira é mais bem vestida do que as classes inferiores, tem melhor gosto e melhor educação, é melhor companhia em acontecimentos sociais e é incomparavelmente mais saudável. E que dentes!

A pesquisa reforça uma tese que tenho há anos, segundo a qual o Brasil, para dar certo, precisa trocar de povo. Esse que está aí é de péssima qualidade. Não sei qual seria a solução. Talvez alguma forma de terceirização, substituindo-se o que existe por algo mais escandinavo. As campanhas assistencialistas que tentam melhorar a qualidade do povo atual só a pioram, pois, se por um lado não ajudam muito, pelo outro o encorajam a continuar existindo. E pior, se multiplicando. Do que adianta botar comida no prato do povo e não ensinar a correta colocação dos talheres, ou a escolha de tópicos interessantes para comentar durante a refeição? Tente levar o povo a um restaurante da moda e prepare-se para um vexame. O povo brasileiro só envergonha a sua elite.

Se não tivéssemos um povo tão inferior, nossos índices sociais e de desenvolvimento seriam outros. Estaríamos no Primeiro Mundo em vez de empatados com Botsuwana. São, sabidamente, as estatísticas de subemprego, subabitação e outros maus hábitos do povo que nos fazem passar vergonha.

Que contraste com a elite. Jamais se verá alguém da elite brigando e fazendo um papelão numa fila do SUS como o povo, por exemplo. Mas o que fazer? Elegância e discrição não se ensina. Classe você tem ou não tem. Mas o contraste é chocante, mesmo assim. Esse povo, decididamente, não serve.

Se ao menos as bolsas-família fossem Vuiton...

Luis Fernando Verissimo
Fonte: Jornal “Zero Hora” nº 15350, 30/8/2007.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

O verdadeiro você

From: L. F. V.
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Um homem só se conhece em duas situações: quando está sob a ameaça de uma arma ou quando quer conquistar uma mulher. Há quem diga que existe um terceiro teste: como o homem reage diante de um vitral da catedral de Chartes. Pode ter sido um materialista incréu a vida toda, mas diante de um vitral da catedral de Chartes se descobre um místico - ou não. Sei de céticos que, com certa luz do entardecer batendo nos vitrais da catedral de Chartes, chegaram a levitar alguns centímetros, até racionalizarem a situação e voltarem para o chão. Mas só nos conhecemos, mesmo, na frente de uma arma ou atrás de uma mulher.

Você pode argumentar que ambas são situações de descontrole emocional. Errado: o descontrole é o homem. O controle é o disfarce. Você deve se julgar pelo seu comportamento quando enfrentou a possibilidade da morte ou quando estava a fim da (nome hipotético) Gesileide. Aquela vez que você se escondeu atrás de um poste para ver se ela chegava em casa com alguém. Meia-noite e você atrás do poste, sob o olhar curioso de cachorros e porteiros, fingindo que lia a lista do bicho no escuro. Aquele imbecil - e não esse cidadão adulto, respeitável, razoável, comedido, talvez até com títulos - é você. Tudo o mais é a capa do imbecil essencial. Tudo o mais é fingimento. Você nunca foi tão você quanto atrás daquele poste.

Pense em tudo o que você já fez para conquistar uma mulher. Os falsos encontros casuais, cuidadosamente arquitetados. Os falsos telefonemas errados, só para ouvir a voz dela ("Telefonei para você? Onde eu estava com a cabeça!"). As bobagens que você disse, tentando impressioná-la. Pior, as bobagens que você ensaiou em casa e disse como se tivesse pensado na hora. O que você lhe escreveu, sem revisão nem autocrítica. Aquele ridículo era você. Os dias e dias que você passou só pensando nela. O país desse jeito, e você só pensando nela. Sem dormir, pensando nela. Tanta coisa para fazer, e você escrevendo o nome dela sem parar... Gesileide, Gesileide, Gesileide. E as mentiras? E a vez que você inventou que era meio-primo do Julio Iglesias?

E o que você sofreu quando parecia que não ia dar certo? Como um adolescente. Aquele adolescente era você. Isso que você é agora é o disfarce, é o imbecil essencial em recesso provisório. Só o vexame é autêntico num homem.