segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Saudade

"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida".

Um texto singelo e tão rico, cheio de sentimentos ocultos e de vontades desnudas, de nossa querida Clarice Lispector.

Para começar bem a semana.

Um abraço,
Gustavo Miranda

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Reminiscências

Reminiscências são como gavetas em nossa alma. Guardam muitas coisas. Experiências boas. Ruins. Risos. Lágrimas. Cheiros. Sabores. Sensações. Vitórias. Derrotas. Dores. Prazeres. Enfim. Sintetizam a vida. A nossa vida, ainda que ela esteja mesclada com a história de tantos outros, homens e mulheres, também portadores e portadoras de reminiscências, de experiências de vida, que cruzam ou que cruzaram o nosso caminho.

Algumas dessas gavetas foram abertas hoje. Mexi com alguns documentos e com alguns objetos que ativaram certas imagens do passado. Lembrei de pessoas. De sensações. De cheiros. E lembrei, sobretudo, de como era gostoso, descontadas a inocência e a imaturidade de minha adolescência, viver aqueles dias, que já não são mais estes, mas que permanecem tão presentes quanto os fragmentos que me remetem a eles e que, de todo modo, continuam a me influenciar hoje.

Não será exagerado dizer que a identidade de qualquer pessoa está relacionada diretamente a essas imagens, a esses fragmentos, a essas experiências trazidas do passado. A dificuldade, no entanto, em tempos de falta de espaço e de tempo, é que os objetos de nosso passado precisam ser constantemente reorganizados (o que significa muitas vezes jogá-los fora). E, aí, assombra-me a dúvida:

- Não estamos, com isso, esvaziando também as janelas de nossa alma?

Um abraço,
Gustavo Miranda

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Menos que o homem

Em tempos de reflexões sobre sustentabilidade e, sobretudo, sobre os perigos de entrarmos, como espécie, na lista de animais em extinção num futuro não muito distante, vale lembrar as palavras de José Saramago, em seu livro As Intermitências da Morte: a propósito, não resistiremos a recordar que a morte, por si mesma, sozinha, sem qualquer ajuda externa, sempre matou muito menos que o homem.

Somos a única espécie a ter um histórico tão ruim.

Um abraço,
Gustavo Miranda

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ato falho!

Não é tão simples quanto parece. E nem tão automático quanto se possa pensar. Nossos impulsos, instintos, inclinações, vontades, desejos, são difíceis, se não impossíveis, de controlar. Basta observar as pessoas. Basta olhar ao redor. Nós mesmos. Dentro e fora. O equilíbrio e a maturidade só dão conta de frear certos atos, certas obviedades. Existem outras, porém, que permanecem intratáveis, dando gritos desesperados que, do nosso inconsciente, ecoam em nosso consciente. Ato falho. Estrutura psíquica. Freud explica. Ou talvez não.

O que precisa ficar claro é que estamos diante da complexidade. E tais situações não se explicam separadamente, com o método cartesiano. É o todo que explica o todo! Sempre foi assim, desde que o mundo é mundo.

O problema é que temos de apelar para teorias novas e concepções paralelas. E isso não é fácil, porque, também nesse caso, está gravado nos impulsos, instintos, inclinações, vontades e desejos. Ninguém é conservador porque quer. Ou revolucionário por escolha. As pessoas são o que são. Nós somos. Eu sou. E não há como saber quais as alegrias e as tristezas de ser o que se é, sempre lutando pelo que se poderia ser, ainda que isso seja impossível, pois certos idealismos só funcionam bem em filosofia, nunca na vida real.

Ato falho é o inconsciente interagindo com o consciente. É o telefone da alma tocando. É a chamada que nos recusamos a atender, porque a ligação traz desejos reprimidos, que nos esforçamos para esquecer, mas que continuam , mostrando a cara, influenciando ações, modelando pensamentos, nossa vida, aqui e agora.

Ocorre-me, neste momento, que ninguém está livre de um certo determinismo psíquico. Somos reféns de nós mesmos! Mas isso, convenhamos, soa estranho e parece roteiro de filme americano. Talvez seja isso mesmo, e em várias dimensões. Dormimos com o inimigo hoje. E, amanhã, tudo o que podemos fazer é ficar à espera de um milagre.

O caso é que simplificar o complexo e dificultar o simples parece ser nossa sina. Mas tal constatação também não leva a nada. Estamos condenados! Ponto. Não admira, portanto, que a missão desta breve jornada (a vida) seja tentar abrir a gaiola e alçar voo.

Isso nem todos conseguem. E Freud explica (ou tenta)!

É que os deuses, para próprio divertimento, jogaram as chaves fora. E, para piorar, a luz da gaiola queimou. Agora o que temos de fazer é tatear.

Não deixa de ser uma boa metáfora para a vida: não caminhamos, apenas tateamos! Sem certezas. Sem garantias. Apenas envoltos em mistério.

Um abraço,
Gustavo Miranda

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Líquido e Fluido

Gosto muito de Zygmunt Bauman. Li seus escritos já algumas vezes e, até agora, a sensação que tenho é de admiração total. Para quem está pegando o bonde em movimento, como diziam os antigos, aqui vai uma explicação. Bauman é um sociólogo polonês que tem postulado, nos últimos anos, a ideia de modernidade líquida. O próprio nome é sugestivo, ainda que a análise seja bem mais complexa que isso: segundo ele, vivemos uma era em que os sólidos duradouros, os valores imutáveis e as premissas arraigadas estão a ruir. A característica da presente fase é ser fluida, variável, adaptável e, naturalmente, efêmera. E isso desenha, em parte, a configuração das relações e dos laços humanos que temos visto recentemente.

Uma citação, em particular, me chama a atenção. Diz ele:

"No mundo da modernidade líquida, a solidez das coisas, tanto quanto a solidez dos laços humanos, é ressentida como uma ameaça: qualquer juramento de fidelidade, qualquer compromisso duradouro, que dirá eterno, pressagia um futuro carregado de obrigações que constrangem a liberdade de movimento e reduzem a habilidade de aproveitar as novas, ainda que desconhecidas, oportunidades, quando elas, inevitavelmente, surgirem".

Será essa a explicação para os laços tão transientes e dotados de tão pouco sentido que temos observado nas sociedades atualmente? Irá tal liquidez afogar nossas relações de uma vez por todas?

São perguntas que faço a partir de Bauman. Apenas perguntas.

Um abraço,
Gustavo Miranda