quarta-feira, 23 de março de 2011

Cena tipicamente urbana

De um lado da rua, o hospital - lugar de pranto, dor e desespero (com raras exceções); do outro, a churrascaria - lugar de riso, festa e comemoração. E aí a constatação: os filósofos estão certos! A divisória entre pranto e prazer é, de fato, tênue. Nessa imagem, mede apenas a largura de uma rua - alguns metros, na verdade. Foi o que vi hoje. Polaridade.

Gustavo Miranda

domingo, 20 de março de 2011

A foto

Encontrei uma foto. Aleatória. Na rede. E rapidamente me vi diante de uma realidade difícil de aceitar, embora fácil de compreender, mas isso na teoria, não na prática. Eu explico. O rosto era conhecido. Pessoa bonita. Charmosa. Já a conhecia há muito tempo, mesmo que não a visse fazia anos, talvez décadas. Mas aí um problema. O que me intrigou foram as marcas. Perto dos olhos. Por toda a região da testa. No pescoço. E nas mãos, enrugadas e mais frágeis que o habitual. Sinais do tempo. Marcas dos anos. Com os olhos presos àquela foto, pensei o óbvio: que o tempo é, de fato, nosso pior inimigo nessa trilha que vai do nascimento à morte. Mas mudei de ideia. E bem rápido. Pois, na verdade, não é o tempo o nosso pior inimigo. Nem as marcas que ele deixa em nossos corpos, que geralmente ferem nosso ego e nos fazem investir tanto em manter as aparências. É a consciência. A consciência de que o tempo passa. E a consciência de que ele decreta, silenciosamente, nossa morte simbólica todos os dias. É isso o que nos intriga. E é isso o que não conseguimos aceitar.

Típica experiência que todos nós já tivemos na vida. Experiência amarga do relógio. Dos segundos, dos minutos, das horas, dos dias e das semanas. Tudo escorrendo, de forma alegórica, através da areia da ampulheta que marca quanto já vivemos e quanto ainda podemos esperar viver.

Não espero entender por que as coisas são assim. Mas gostaria de saber por que, dentre todos os animais, somos os únicos a ter essa sórdida consciência.

A foto não me sai da cabeça... e o tempo continua passando.

Gustavo Miranda

terça-feira, 8 de março de 2011

O doce e o amargo

O desencanto foi inevitável. Automático e irreversível. Pois, tão logo a realidade se desenhou nítida e inconfundível, as fantasias acabaram desconstruídas e reduzidas ao pó. No lugar, crueza e pés no chão. Esvaíram-se as inverdades e os analgésicos da alma. Brotou pavor. Medo. E covardia diante do real, embora eu já soubesse - desde o início - que esse negócio de verdade é mesmo para poucos. Bem poucos.

Mas o que é a verdade e quem tem coragem de enfrentá-la? Não sei e ninguém nunca saberá. O que sei é que sem fantasias e sem misticismos o mundo se torna pavoroso e árido (Já o visitei. E recomendo! Mas com cautela. Com muita cautela!).

As fantasias adoçam a alma e tornam o peso da responsabilidade suportável. Doce veneno. A verdade, porém, liberta. Liberta, mas desencanta.

O gosto é amargo. Bem amargo! Pode dar ânsia.

 

Gustavo Miranda  

domingo, 6 de março de 2011

Receios

O receio que sinto pela morte não é maior nem menor que o receio que sinto pela vida. A morte me assombra pelas dimensões do desconhecido, da dor e da dúvida. Mas a vida também, embora - na maioria das vezes - eu seja suficientemente ingênuo (ou medroso) para esquecer desses detalhes e de seus desdobramentos. O que realmente me motiva a viver, se bem que isso não chega a ser um alento, é que não tenho escolha. Na verdade, nenhum de nós tem. A opção de ser covarde para desistir desse misterioso caminho que vai da vida à morte está, em teoria, excluída. Portanto, conformo-me. Resigno-me. E sigo adiante, mesmo sabendo que a morte, assim como a vida, segue leis próprias; em geral, enigmáticas e insondáveis, assim como a imensidão do espaço e como a vastidão do tempo.

Apenas receios...

Gustavo Miranda