quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A gaiola

Quando a mãe diz, toda preocupada com o comportamento do filho, que vai "cortar suas asinhas ao chegar em casa", o que ela quer dizer, no fundo, é que dá muito trabalho lidar com gente que voa. E é verdade mesmo. Diria até que é sempre mais fácil (e oportuno), na impossibilidade de cortar totalmente as asinhas, manter as pessoas dentro de gaiolas do que deixá-las à solta. Isso evita, por um lado, que elas vejam muitas coisas diferentes lá fora e diminui, por outro, a possibilidade de trazerem perguntas estranhas para as quais, provavelmente, nós também não teremos respostas.

Ou seja, todo mundo ganha. Menos quem é posto dentro da gaiola.

Gustavo Miranda

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Morrer no auge ou definhar na velhice?

A morte de Amy Winehouse, ainda que esperada até pelos fãs mais otimistas, traz à tona uma pergunta aguda e, para a qual, não tenho o menor esboço de resposta.

Isso porque, se é verdade que tal exemplo nos remete a uma sensação de vida jogada fora, ainda mais com tanto dinheiro e talento envolvidos (e que, certamente, poderiam ter sido mais bem aproveitados), por outro não é menos verdade que, agora, esteja ela onde estiver (e estou inclinado a pensar que não está mais em lugar algum), há um privilégio em jogo a que nós, os vivos, não temos direito: Amy agora tem o privilégio de não ser mais assombrada por imagens de uma possível velhice. Morreu no auge, embora esse "auge" tenha sido carregado de álcool e drogas.

O que quero dizer é simples. Que tipo de coragem é preciso ter na vida? Coragem para seguir em frente, apesar do definhamento natural do corpo e das inúmeras limitações (na verdade, doenças) que nos esperam? Ou coragem para sair de cena enquanto é tempo e, mais do que isso, enquanto se é lúcido para tal?

Esse dilema não me parece fácil de resolver.

Naturalmente, os críticos de Amy dirão que ela também estava doente, ainda que fosse bem jovem. Concordo e não há o que negar! Mas, compreendam: a questão está além de Amy ou de qualquer outro roqueiro dos anos 1970. É um problema filosófico, talvez um dos mais agudos referentes à condição humana. Traz à tona o papel de nossa consciência, pois somos a única espécie que sabe que vai morrer (sem saber, no entanto, sob quais circunstâncias ou se sofrendo ou não).

Isso parece pouco para justificar uma bala na cabeça? Pode até parecer, mas há um fundo de verdade em tudo isso. E um terror latente.

E é por isso, talvez, que alguns não suportam. Sexo, drogas e rock and roll me parecem ser apenas escapes para almas aflitas (ainda que sexo sirva para pessoas apaixonadas também, o que – no fundo – quer dizer quase a mesma coisa). Mas aflitas com o quê? Aterrorizadas por quais motivos?

Não sei dizer. Limito-me a enunciar a questão.

O que sei é que é mais difícil do que parece, e qualquer um pode se ver repentinamente dentro dessa problemática. Basta olhar o curso de maturação de uma fruta, particularmente das bananas. Nos primeiros dias, elas estão verdes, impróprias - portanto - para o consumo; depois de um tempo, ficam amarelas, cheirosas, macias e doces como o mel; mais algum tempo e começam a se deteriorar, até o ponto em que se enchem de insetos, enegrecem e logo começam a feder.

E a pergunta que não quer calar, apesar de óbvia: o que nos torna biologicamente diferentes das bananas?

Amy Winehouse não precisa mais esquentar a cabeça com isso.

Gustavo Miranda