segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Vamos alçar voo?

O caso é que já há algum tempo temos assistido ao definhamento inesperado de todos os sistemas sociais que um dia nos prometeram êxito, visto que mais e mais vezes (e, sobretudo, neste começo de novo século) nos vemos à beira de um colapso estrutural irreversível, ainda que até agora muito bem mascarado por todos os envolvidos, como se os problemas não tivessem tamanha dimensão. O que chama a atenção, e aqui vai uma pequena (e rara) pincelada de meu otimismo, é que já sabemos muito bem onde estão os equívocos. Na racionalização exagerada. Na fragmentação da vida. Na valorização excessiva do material e no empobrecimento consequente do ser (tantas características paralelas, aliás, que têm nos separado faz séculos da plenitude que poderíamos atingir). Porém, tal consciência, embora razoável, nos impede de seguir adiante. Em primeiro lugar, porque somos todos reféns de um sistema que fugiu do controle; em segundo, porque estamos acostumados às nossas gaiolas. Sim, nossas próprias gaiolas, sociais, burocráticas, éticas, epistemológicas, culturais, etc.

Diante de tal panorama, e tentado a encontrar respostas que nos forneçam novos caminhos ou que, pelo menos - mais modestamente, nos garantam algum tempo de sobrevida, só me ocorre um convite insólito e perigoso, mas extremamente necessário: vamos alçar voo?

Gustavo Miranda

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Autocrítica

Nunca tive problemas em debates de ideias. Mas um dia deparei-me com meu próprio EU no espelho e - para minha surpresa - para cada argumento, ele tinha um contra-argumento; para cada incursão filosófica, uma contrarresposta; para cada análise, uma contra-análise; e assim sucessivamente. Cansado desse jogo, mas lúcido do benefício da autocrítica, tive de admitir que convencer os outros é sempre muito fácil. E rápido. Difícil mesmo é convencer a si próprio.

Gustavo Miranda

domingo, 11 de dezembro de 2011

Cenas Urbanas

E então vi duas crianças dentro da Häagen-Dazs; irmãs; bem vestidas; brincando através do vidro transparente com uma terceira, que acenava do lado de fora; vendedora ambulante de adesivos; pobre; sem teto; moradora de uma rua em que luxo e miséria caminham lado a lado, aparentemente sem incomodar ninguém. As três estavam separadas pelo vidro de nossa incompetência social. Mas não pela alegria pueril de quem, desconhecendo as desigualdades, encontra razão suficientemente forte dentro de si para compartilhar o sorriso.

Gustavo Miranda

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Um deus à minha imagem, fraco

Deuses onipotentes, mas limitados pelas próprias leis ou, em última análise, confinados às escolhas humanas, já não me seduzem mais. Perderam o encanto, assim como os contos de fadas, que, embora confortantes e sedutores, deixaram de ter o mesmo apelo após certa idade. O que quero hoje é um deus fraco. Capaz de chorar comigo pelo que não deu certo. Ou, talvez, de lamentar o triste acaso, as derrotas, os infortúnios, as mesmices de cada dia. Não acredito mais nesses superdeuses, porque - na verdade - poucas coisas nesta vida são "super". A maior parte delas é opaca, sem cor, sem sal. E não me sinto reconfortado por saber que um deus infinitamente poderoso nos abandonou à própria sorte, presos às paixões do ego, fadados ao esforço mental de vislumbrar um suposto futuro em ruas de ouro. Sim, eu sei que há uma poética envolvida em tudo isso e que, provavelmente, essa seja de fato a essência humana: de incertezas, de inconstâncias e de esperanças. Todavia, é justamente essa fraqueza humana que me faz querer alguém como eu, que seja realmente à minha imagem. Um deus fraco. Que me console pelo ombro amigo e pelo choro mútuo, jamais pelos poderes milagrosos ou pelas promessas de um paraíso perfeito.

Gustavo Miranda