domingo, 24 de abril de 2011

As lacunas da traição

Não me parece inapropriado pensar que, em matéria de traição, e me refiro às traições conjugais em sentido amplo, o foco - tanto para mulheres como para homens - seja menos a aventura de viver perigosamente do que a necessidade, quase insuportável, de preencher as lacunas que foram deixadas (e, às vezes, mal-compreendidas) pelo outro durante os anos. Assim, parece-me claro que há tipos de traição que são menos uma questão de seios irresistíveis e de corpos perfeitos do que uma questão de encontrar um sentido de vida e de buscar a felicidade. Trai-se, paradoxalmente, por falta de opção. Por necessidade. Trai-se por falta de caminho. Ou melhor, com o intuito de encontrar o tal caminho, embora nem sempre essas motivações estejam explícitas (em geral, não estão).

 

Não quero afirmar, com isso, que a responsabilidade da traição é apenas de quem foi traído (e, na verdade, tenho a impressão de que o contrário também não é verdadeiro). Só estou sugerindo que, quando o assunto é traição, o melhor mesmo é olhar para as lacunas. As lacunas deixadas pelos anos de convivência. São elas, para ser sincero, a depender da importância que têm para as duas pessoas envolvidas, que abrirão ou não o caminho para uma terceira pessoa. Lacunas, afinal...  

 

Gustavo Miranda

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Controle

O que a Igreja fez durante boa parte da Idade Média passou a ser tão imprescindível para as organizações atuais quanto o foi para a santa inquisição naquela época. Cultivar a fé e os bons princípios? Nem tanto, nem tanto! O que ocorre nas organizações atuais, sejam elas empresariais ou não, é a busca frenética por controle. Controle dos corpos, controle dos pensamentos. Controle das ações e de tudo o que possa valer a pena controlar. Quem nunca parou para refletir sobre o assunto, pode começar dando uma espiadela pelas ruas e pelos corredores das empresas. Câmeras. Catracas eletrônicas. Relatórios de produtividade. Olhos e ouvidos por todos os lados. Talvez seja essa a identificação natural que as pessoas demonstram ter com os reality-shows. É que a vida contemporânea tornou-se um Big Brother por excelência, apesar de ganharmos bem menos (bem menos) para entreter tantas pessoas (nossos chefes, pais, professores, etc.).

Gustavo Miranda  

sábado, 9 de abril de 2011

O massacre de nossas convicções!

O grande mal dessa modernidade tardia - e, na verdade, não consigo decidir se deveria ver isso com bons olhos ou não - é que, além de as certezas nos terem sido subtraídas de forma traumática e violenta, ficamos também com a impressão assustadora de que os remédios que anunciavam a cura nos deixaram ainda mais doentes e acovardados diante das dúvidas. O massacre sanguinário e premeditado dessa semana, embora recorrente em outros lugares do mundo, não deixa dúvidas. Somos uma sociedade doente. Carente. E, por mais que os especialistas se esforcem agora para tentar explicar o que deu errado, sabemos que não há explicação. A não ser aquela - amedrontadora, na verdade - que constata o óbvio: estamos entregues ao caos; e não há mais regras capazes de nos devolver a tranquilidade de que gozávamos antes.

 

O que quero dizer é que a morte daquelas crianças, tão cheias de vida e certamente portadoras da esperança de um mundo melhor, representa um mal menor comparativamente à desilusão que, pouco a pouco, tem se espalhado por todos os cantos do planeta. Com isso, devo enfatizar que o grande mal do período atual é que perdemos a confiança nas rotinas capazes de controlar os comportamentos. Perdemos a fé na segurança, de um modo geral. E estamos agora a contemplar a imagem de um monstro no espelho. Nós mesmos, na verdade. Inconstantes. Problemáticos. E, sem dúvida alguma, amedrontados e vulneráveis.

 

Não se enganem! Não foi a primeira nem a última vez que inocentes morreram de modo bárbaro e planejado. Isso ocorre todos os dias. A dor desta vez é que crianças e escolas sempre foram termos que simbolizaram paz, esperança e mundo melhor. E, infelizmente, agora nem essa certeza podemos levar para o túmulo.

 

Nossa alma está em luto... pela morte de nossas convicções.     

 

Gustavo Miranda

domingo, 3 de abril de 2011

A dor de saber pouco ou quase nada

Não tenho certeza se as dificuldades e o sofrimento são, realmente, condições essenciais para o aprendizado e o desenvolvimento humanos. O que sei é que muitas pessoas argumentam que essas situações, de cotidianidade, de dor e de obstáculos, trazem em seu bojo aspectos positivos que, segundo elas, são capazes de nos fazer refletir sobre coisas que, de outro modo, não seriam jamais objetos de nossa análise. Isso, apesar de parecer compreensível para muitos, tem pouco significado para mim. Em primeiro lugar, porque sempre desconfio desse sentido que nós, os humanos, tentamos criar a posteriori (sempre a posteriori) sobre as dificuldades que nos assolam. A meu ver, isso serve mais como tentativa de se conformar com as coisas, de ajustar o alvo aos dardos lançados pela vida, do que como explicação factível e razoável capaz de aquietar espíritos mais críticos e inconformados (como o meu, por exemplo). Em segundo lugar, porque tenho dificuldades em aceitar a ideia de um sistema cognitivo que só atinge seu máximo desempenho quando atrelado às dificuldades e às dores diárias, embora eu compreenda perfeitamente que essa lei, de um ponto de vista seletivo, é genial e - ao mesmo tempo - enigmática. A dificuldade como mãe da criatividade. Por tabela, a constatação de que a felicidade não produz ideias interessantes! (Será?).

Isso tudo, naturalmente, são meras reflexões de uma mente atordoada e cansada de ver tantos sofrimentos mundo afora. Só queria mesmo entender por que fomos abandonados à própria sorte e por que estamos fadados a viver sempre com as mesmas dúvidas.

Faz sentido para alguém?

Gustavo Miranda