segunda-feira, 6 de agosto de 2007

A Noite

Um pequeno trecho do conto "La nuit" (1887), de Guy Maupassant.
A fantasia aí retratada parece ser a minha realidade de todos os dias, de todas as noites.


O dia me cansa e me aborrece. É brutal e barulhento. Levanto-me com dificuldade, e visto-me com lassidão, saio a contragosto, e cada passo, cada movimento, cada gesto, cada palavra, cada pensamento me cansa como se eu levantasse um fardo que me esmagasse.

Mas, quando o sol se põe, invade-me uma alegria confusa, uma alegria de todo o meu corpo. Desperto, me animo. À medida que crescem as sombras, sinto-me outro, mais moço, mais forte, mais alerta, mais feliz. Olho para a grande sombra suave caindo do céu e se adensando: ela afoga a cidade, como uma onda impalpável e impenetrável, ela esconde, apaga, destrói as cores, as formas, abraça as casas, os seres, os monumentos com seu toque imperceptível. Então sinto vontade de gritar de prazer como as corujas, de correr pelos telhados como os gatos; e um desejo de amar, impetuoso, invencível, arde em minhas veias.

CALVINO, Italo (Org.). Contos Fantásticos do Século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

Um abraço
Gustavo

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