Você desconfia de suas próprias ideias e ações?
Fiz essa pergunta a mim mesmo várias vezes ao longo dos anos. Mas hoje, ao ouvir uma amiga contar que havia reatado com o antigo namorado, a questão - uma vez mais - bateu à minha porta. Baseados em que tomamos certas decisões que julgamos mais apropriadas do que outras? Qual o critério? O que influencia nossa mente nessas horas?
Não sei bem o que dizer, a não ser que foi exatamente esse o pano de fundo que levou o português, António Damásio, a escrever um livro que se tornou best-seller em todo o mundo: O erro de Descartes. Nele, o autor defende que não agimos racionalmente o tempo todo. Ao contrário, Damásio afirma que a ausência de emoções pode, na verdade, destruir a racionalidade em vez de potencializá-la. A referência a Descartes seria uma alusão a essa ideia: mente e corpo não são coisas distintas. O erro do famoso cientista francês foi apenas considerar a separação, esquecendo-se do todo.
Um caso clássico da neurociência, retratado no livro, ilustra bem a questão: o acidente de Phineas Gage. Phineas Gage foi um construtor de ferrovias australiano, muito educado e gentil, que viveu por volta de 1850. Seu caso tornou-se famoso porque, depois de trabalhar alguns anos na ferrovia, Gage sofreu um acidente com uma barra de ferro que lhe atravessou o crânio. Foi atendido. Não morreu e não ficou com sequelas, apenas perdeu um dos olhos. Mas o que se passou nos anos posteriores foi totalmente surpreendente. Gage começou a usar palavras obscenas, fazia comentários cruéis e desnecessários, tratava mal seus companheiros, enfim, teve uma mudança drástica em seu comportamento e em suas ideias, resultado direto (o que acabou comprovado mais tarde) do acidente que sofreu.
O caso de Gage é emblemático porque mostra que uma pequena alteração em certas regiões do cérebro pode nos fazer agir de outra maneira, pensar de outra forma e, no limite, até alterar nossa identidade substancialmente. Não que isso seja incomum, porque, com ou sem acidentes, estamos acostumados a ver as pessoas mudando por aí. O importante é que isso traz novamente à tona questões que nunca deixaram de fazer parte da pauta: quem somos nós, na verdade? O que é a nossa personalidade? E onde está situado esse lugar que abriga nossa identidade e nossos melhores juízos?
Naturalmente, minha amiga não pensou em tudo isso para concluir se devia ou não reatar com o antigo namorado. Ela "simplesmente" julgou que era uma boa opção. E pronto.
Isso não invalida a questão, porém. Pois também acredito que o nosso corpo, sábio que é, embriaga constantemente nossos olhos para que nossas decisões pareçam coerentes e fruto de complexas avaliações. É o que muitos chamam de "auto-engano" ou de wishful thinking.
No fundo, no fundo... creio que o debate é bem mais agudo do que parece. Mas também não tenho certeza. Aprendi a desconfiar de minhas próprias conclusões e de meu próprio comportamento. Isso faz bem.
Faz-nos humanos!
Um abraço,
Gustavo Miranda
Fiz essa pergunta a mim mesmo várias vezes ao longo dos anos. Mas hoje, ao ouvir uma amiga contar que havia reatado com o antigo namorado, a questão - uma vez mais - bateu à minha porta. Baseados em que tomamos certas decisões que julgamos mais apropriadas do que outras? Qual o critério? O que influencia nossa mente nessas horas?
Não sei bem o que dizer, a não ser que foi exatamente esse o pano de fundo que levou o português, António Damásio, a escrever um livro que se tornou best-seller em todo o mundo: O erro de Descartes. Nele, o autor defende que não agimos racionalmente o tempo todo. Ao contrário, Damásio afirma que a ausência de emoções pode, na verdade, destruir a racionalidade em vez de potencializá-la. A referência a Descartes seria uma alusão a essa ideia: mente e corpo não são coisas distintas. O erro do famoso cientista francês foi apenas considerar a separação, esquecendo-se do todo.
Um caso clássico da neurociência, retratado no livro, ilustra bem a questão: o acidente de Phineas Gage. Phineas Gage foi um construtor de ferrovias australiano, muito educado e gentil, que viveu por volta de 1850. Seu caso tornou-se famoso porque, depois de trabalhar alguns anos na ferrovia, Gage sofreu um acidente com uma barra de ferro que lhe atravessou o crânio. Foi atendido. Não morreu e não ficou com sequelas, apenas perdeu um dos olhos. Mas o que se passou nos anos posteriores foi totalmente surpreendente. Gage começou a usar palavras obscenas, fazia comentários cruéis e desnecessários, tratava mal seus companheiros, enfim, teve uma mudança drástica em seu comportamento e em suas ideias, resultado direto (o que acabou comprovado mais tarde) do acidente que sofreu.
O caso de Gage é emblemático porque mostra que uma pequena alteração em certas regiões do cérebro pode nos fazer agir de outra maneira, pensar de outra forma e, no limite, até alterar nossa identidade substancialmente. Não que isso seja incomum, porque, com ou sem acidentes, estamos acostumados a ver as pessoas mudando por aí. O importante é que isso traz novamente à tona questões que nunca deixaram de fazer parte da pauta: quem somos nós, na verdade? O que é a nossa personalidade? E onde está situado esse lugar que abriga nossa identidade e nossos melhores juízos?
Naturalmente, minha amiga não pensou em tudo isso para concluir se devia ou não reatar com o antigo namorado. Ela "simplesmente" julgou que era uma boa opção. E pronto.
Isso não invalida a questão, porém. Pois também acredito que o nosso corpo, sábio que é, embriaga constantemente nossos olhos para que nossas decisões pareçam coerentes e fruto de complexas avaliações. É o que muitos chamam de "auto-engano" ou de wishful thinking.
No fundo, no fundo... creio que o debate é bem mais agudo do que parece. Mas também não tenho certeza. Aprendi a desconfiar de minhas próprias conclusões e de meu próprio comportamento. Isso faz bem.
Faz-nos humanos!
Um abraço,
Gustavo Miranda