terça-feira, 25 de novembro de 2008

Alunos que deixam saudades...

É curioso. Quem nunca deu aula, não sabe o que é. Esse sentimento bom, ao mesmo tempo triste, que nos invade quando vemos nossos alunos se formando, indo embora, iniciando uma nova etapa, sorrindo para a vida. É gostoso, claro. Triste também. Porque, no fundo, é impossível negar que as pessoas nos marcam. E, se marcam, deixam saudades. Abrem uma lacuna na alma que não será mais preenchida pelo convívio diário. Ficarão lembranças no lugar.

E este ano a história se repete. Turmas se formam. Encontros novos surgem. Despedidas. Lágrimas. Sorrisos. Vida nova. Alguns desses alunos tiveram aula comigo durante três ou quatro anos. Somos velhos amigos. Talvez seja por isso que desejamos de modo recíproco a velha alegria de sempre. A velha alegria que renova. Que dá ânimo. E que, sem dúvida, consola ambos: os que vão... e os que ficam. Alunos e professores.

Visualizei uma imagem: um homem debruçado na varanda de um prédio alto. A analogia é que, para os que se formam, o tempo é de se debruçar sobre o que foi feito. Tempo de analisar. De refletir. De planejar. De se abrir para um mundo de novas possibilidades. Sem perder de vista o céu que vemos pela varanda, muito mais alto, muito mais formoso, significando que ainda temos muito a "escalar". Muito a estudar.

Se vamos alcançar o céu, não sei. Mas, se o poeta está certo, então nem precisamos. Existem mais coisas entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia.

Enfim. Tudo isso para dizer que esses momentos marcam... e que os alunos deixam saudades. Rubem Alves diz que "a saudade é o bolso em que a alma guarda aquilo que ela provou e aprovou". Concordo plenamente. E, como sou professor, acrescento que a cada ano meu "bolso" fica mais bonito e mais cheio.

Sucesso a todos os meus alunos que se formam e que... deixam saudades.

Um abraço,
Gustavo

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Lista de defuntos

Antes de tudo, me respondam: que satisfação mórbida algumas pessoas têm em consultar a lista de defuntos do velório de um cemitério?

Pois é. Conheço uma velhinha que faz isso todos os dias. É a dona Lourdes, aqui da rua. Na verdade, "dona Lu", para os íntimos.

Dona Lu tem aproximadamente 70 anos. Move-se com dificuldade. Cabelos grisalhos arroxeados. Olhar parado, roupas sinistras, um leve cheiro de naftalina. O lugar típico para encontrá-la é o cemitério da Vila Guarani. Não importa quem seja o morto. Quem sejam os familiares. Ela sempre está lá, com uma curiosidade fora do comum. Sua dedicação a essa tarefa é tão "profissional" que, aqui nas redondezas, ela vive causando situações inusitadas. A mais comum é que as pessoas, por saberem de seu costume estranho, criaram certa superstição. Se a encontram na feira ou pelas ruas, logo começam a se benzer. Claro, é compreensível. Ao olhar para dona Lu, lembram do ritual patético e fúnebre da senhora e, naturalmente, imaginam que ela tenha mesmo o dom de atrair a morte.

O mais misterioso dos casos, no entanto, é aquele que contam ter acontecido no último dia de finados. Dona Lu desapareceu, não foi vista em casa nem em canto algum. Simplesmente sumiu, evaporou (parece óbvio que esse fato, por si só, não é digno de muita atenção, eu concordo). O porteiro do cemitério, porém, jura que lá pelas 2 e 33 da manhã ouviu alguns sons estranhos e um leve cheiro de naftalina no ar. Viu de longe a silhueta de uma pessoa que se locomovia devagar e que parecia carregar uma tampa de caixão nas mãos... Resultado: de um tempo para cá, ninguém mais duvida de que a velhinha esteve no cemitério para prestar alguma homenagem mórbida a algum falecido. Não existem provas, claro. Mas o porteiro, que pediu demissão no outro dia e nunca mais foi visto, jamais deu detalhes pormenorizados do ocorrido... alguns dizem até que ele morreu.

Bem, para ser sincero, eu não acredito muito nessas histórias. É verdade que dona Lu é estranha, que chega a dar medo em muitos que tentam puxar alguma conversa (qual seria o assunto? Os falecidos da semana?). Apesar disso, creio que a paixão dela de ver a lista diária de defuntos seja proporcional à minha paixão de inventar histórias que não existem.

Se isso for verdade, amanhã dona Lu estará novamente no cemitério.
E eu... aqui escrevendo histórias.

Um abraço,
Gustavo

domingo, 2 de novembro de 2008

Até quando?

Até quando terás, minha alma, esta doçura, este dom de sofrer, este poder de amar, a força de estar sempre – insegura – segura como a flecha que segue a trajetória obscura, fiel ao seu movimento, exata em seu lugar...?

(Cecília Meirelles)

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A vingança do útero

Vi uma história curiosa, no livro do Claudio Moreno (O prazer das palavras), que vou tentar reproduzir aqui para vocês.

Trata-se da palavra "histeria", que hoje o dicionário Houaiss nos diz ser "uma neurose que se exprime por manifestações corporais". Bem, essa definição nem sempre foi assim e o próprio Houaiss, na categoria "história da medicina", nos diz também que histeria é uma "doença nervosa que, supostamente, se originava no útero". É sobre esse segundo significado que quero comentar mais detalhadamente.

Claudio Moreno, que citei há pouco, conta uma história interessante. Ele diz que histeria vem do grego, hyster, que significa útero. Pois bem. Não sei se vocês sabem, mas a explicação antiga para os comportamentos histéricos era que o útero da mulher, contrariado por se preparar todos os meses para dar à luz e quase nunca haver fecundação, ficava "revoltado" (nervoso mesmo) e mostrava seu desagrado com manifestações corporais que iam além da vontade da pessoa. A pessoa ficava histérica. Era a vingança do útero! Curioso, não!? É por isso que não faz muito tempo a histeria era vista como uma doença feminina, jamais masculina. E isso explica também por que, no popular, a cura mais indicada para a moça que sofria de histeria era um "bom macho". Acreditava-se que o "bom macho" seria capaz de resolver o problema da moça e do útero ao mesmo tempo, ou seja, fecundar o óvulo. Adeus histeria!

Contei essa história para que vocês percebessem como os vocábulos e, principalmente, a origem das palavras podem explicar muitas vezes o porquê de certas crenças e mitos populares. Atualmente, sabe-se que histeria não é doença primariamente feminina e nem consequência de possessões demoníacas ou coisa parecida (uma crença bastante forte no começo do século XIX também). Mas a ligação com o útero feminino continua na origem de "histeria".

Fiquei pensando que algumas moças, após lerem isso, acharão que as dores que sentem todos os meses ainda são, de certa forma, uma singela lembrança de que o útero está "fulo da vida".

Um abraço,
Gustavo

domingo, 6 de julho de 2008

O Tempo

A gente não percebe, ou não quer perceber, que - enquanto planejamos nossa vida, enquanto nos enganamos com promessas de amanhã - existe algo que não pára, que não espera, que não volta atrás e não fica ressentido pelo que fazemos ou deixamos de fazer. Ele simplesmente continua, sua batida organizada e milimetricamente cadenciada, esperando que algum dia alguém perceba que ele é a moeda mais valiosa que carregamos.

Mas, querem saber? Isso não acontece até que seja suficientemente tarde. Até que seja suficientemente irreversível. Antes disso, existem preocupações demais, de modo que é impossível dar valor a algo que supostamente temos em abundância. Aos 12 anos, não temos sequer maturidade para avaliar sua importância. Aos 30, estamos tão atarefados que esse detalhe passa despercebido. Aos 50, pensamos que ainda teremos o momento certo para pensar no assunto. E, aos 70, nos damos ao luxo de sonhar com a imortalidade. Porém, cedo ou tarde (e, geralmente, tarde), temos de enfrentar o espelho. Sim, o espelho. Nele vemos que as coisas mudaram, que a moeda valiosa impôs sobre nós seus efeitos e que, provavelmente, já não somos mais os mesmos.

E então, subitamente, percebemos que tudo mudou de lugar. Percebemos que nossa moeda valiosa não pode ser recarregada, pois simplesmente não existem postos de reabastecimento. Queremos voltar atrás, fazer diferente, tentar mais, arriscar mais, viver mais... mas vemos que tal capricho não nos foi permitido pelos deuses. Estamos presos. Tentamos, em vão, convencer outras pessoas a dar valor a esse pequeno detalhe da vida... mas, bobagem, estão todos muito ocupados com planos, com promessas, com futuros.

Um dia depois de nossa morte, todos voltam ao normal. As falas apaziguantes e as perguntas filosóficas, sobre quanto vale nossa vida ou para onde iremos todos nós, ficam esquecidas em algum porão da mente coletiva. O ciclo é sempre o mesmo e, com raras exceções, as pessoas voltam à normalidade sem levar completamente a sério que ninguém jamais saiu com vida desse processo.

Ele, contudo, continua sempre lá. Não pára. Não volta atrás. Não fica ressentido ou dá segundas chances. O tempo, sem dúvida alguma, é a moeda mais valiosa que temos em vida.

Quanto tempo ainda nos resta?
É bom sempre ter essa pergunta em mente.

Um abraço,
Gustavo

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Kafka

Fim de semestre é sempre uma correria, mas gostaria de deixar com vocês uma indicação virtual que contém vários textos do Franz Kafka. Para quem nunca ouviu falar dele, deixo um link que pode esclarecer algumas coisas: http://pt.wikipedia.org/wiki/Franz_Kafka

A indicação:
http://paginas.terra.com.br/arte/ecandido/kafka.htm

Um abraço a todos
Gustavo

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Sendo cético

Isso serve para muitas situações na vida:

"Só confie numa testemunha quando ela fala de questões em que não se acham envolvidos nem o seu interesse próprio, nem as suas paixões, nem os seus preconceitos, nem o amor pelo maravilhoso. No caso de haver esse envolvimento, requeira evidência corroborativa em proporção exata à violação da probabilidade provocada pelo seu testemunho".

Thomas Henry Huxley (1825 - 1895)

Um abraço,
Gustavo

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Esconder para ser hipócrita

Todo ser humano tem algo a esconder, invariavelmente. Pode ser um objeto, uma mensagem de e-mail, um ódio, um amor proibido, uma paixão pecaminosa, uma história ou experiência passada, enfim, qualquer coisa. A questão é que, se fôssemos realmente honestos, afrouxaríamos um pouco nosso "juízo" em relação aos outros e passaríamos menos tempo a condenar e a jogar pedras. Saberíamos, por experiência própria, que é impossível viver de modo "correto" o tempo todo. E, assim, julgaríamos menos, odiaríamos menos, pouparíamos mais.

Todavia, admitamos que isso não ocorre com frequência. E não ocorre porque a hipocrisia está arraigada no coração humano. O que observamos, na verdade, é que, embora todos tenham sempre algo a esconder, a diferença reside em que uns têm mais sucesso na ocultação dos delitos do que outros. Logo, aqueles que escondem melhor são considerados "corretos", exemplares. Os que, por qualquer motivo, deixam os segredos à mostra, esses são considerados "errados" e amorais.

Naturalmente, isso tudo faz parte do auto-engano que alimentamos diariamente. Mas é curioso, bem curioso, notar que até nos sentimos bem em meio a tanta hipocrisia.

Gustavo Miranda

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A misteriosa chama...

Uma indicação de leitura, para quem ainda não teve a oportunidade de ler.
"A misteriosa chama da rainha Loana", de Umberto Eco.

Resuminho:
Yambo, um senhor de mais ou menos 60 anos, acorda num quarto de hospital. Ao seu lado, um médico informa que ele deve manter repouso e que o acidente sofrido deixou uma sequela: a memória. Yambo não se recorda que tem uma esposa, filhos, netos e, muito menos, que trabalha como livreiro em Milão. Também não se recorda que, em seu estúdio (onde vende os livros), há uma assistente linda e loira, chamada Sibilla, por quem, provavelmente, já alimentou desejos impuros no passado. Ao sair do hospital, Yambo tem uma difícil tarefa pela frente: reconstruir suas próprias lembranças de vida; reviver as experiências que o fizeram ser quem ele sempre foi antes do acidente. De que modo ele fará isso? Inventariando e analisando uma série de arquivos de sua infância: cadernos de escola, jornais da época de juventude, discos, cartas de amor, livros, etc. O resultado é que, a cada experiência com esses arquivos, uma parte da própria vida de Yambo vem à tona, numa trama interessantíssima e com um final surpreendente.

Como sempre tenho dito, Umberto Eco é Umberto Eco. Um dos poucos acadêmicos que consegue unir trama arrojada e informações fiéis, sem se tornar chato ou técnico demais. Meu veredicto é: li e gostei.

Um abraço,
Gustavo