quinta-feira, 28 de julho de 2011

A alma boa e o tiro na cabeça

É verdade mesmo. O ser humano é a única espécie que, além de ter de lidar com um ambiente externo, tem de lidar também com um ambiente interno.

Aliás, ouso dizer que o segundo desses ambientes é o mais complexo. Pois, se - por um lado - ele é indispensável às nossas faculdades mais pessoais e à nossa identidade propriamente dita, por outro age como um inimigo interno, sempre pronto a complicar até as coisas mais simples da vida.

E não é assim mesmo que nos sentimos quando, diante de um dia lindo de sol, ficamos deprimidos e preferimos um quarto escuro?

O que acontece? Algum problema específico com o sol? Ou seria nosso ambiente interno que, por ser interno, passa a contaminar o mundo exterior?

Essas e outras questões foram profundamente estudadas pelos filósofos de todas as épocas. E tudo indica que, à medida que envelhecemos, mais importante se torna ter uma alma boa, já que do corpo não podemos esperar muito com o passar dos anos.

Isso posto, no entanto, convém destacar uma coisinha.

Que ninguém confunda "alma boa" com esse totalitarismo do bem que está na agenda social atualmente (essa coisa de ter princípios morais, éticos ou o que seja). Não! Para mim, "alma boa" é uma característica a ser arduamente desenvolvida e que, dentre os vários benefícios, pode até minimizar a vontade natural que qualquer ser consciente (crítico e sensível) tem de dar um tiro na cabeça de tempos em tempos.

Gustavo Miranda
      

terça-feira, 26 de julho de 2011

Amor Platônico

Eu a vi de relance. Por um breve momento. Ela carregada de sentimentos. Eu, de incertezas. De condicionais. De torturas e covardias, como se saber seu nome fosse pecado mortal, mesmo para um coração já perdido de amor (o meu, no caso).

Peguei-me a ouvir a seguinte voz dentro de mim: Não posso! Não posso! Não é certo! E, diante da vaga lembrança de que eu não tinha planejado nada daquilo, fui obrigado a admitir o óbvio, embora não quisesse: não havia volta para mim. A paixão me consumia.

Mas ela ficou lá, distante de mim. Muda, a não ser pela música de seus cabelos ao vento. E foi naquele dia, precisamente naquele instante fortuito, que eu soube como ninguém o que significava amor platônico. Não que eu tivesse algo a ver com Platão, já que, naquele tempo, nem suspeitava quem era o tal filósofo. Mas nunca tive dúvidas de que aquele era um amor ideal. Tão ideal e tão perfeito que nem chegou a ser consumado. Ficou na memória, assim como o sorriso que adornava aquele rosto angelical que eu supostamente jamais veria de novo.

Gustavo Miranda
      

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A ferida continua aberta

O papo-furado mais estranho que já ouvi na vida é aquele que prega que as pessoas superam as dores e as mágoas com o tempo.

Mentira! Isso pode até ser verdade num sentido metafórico / filosófico. Ou, talvez, no sentido de que, com o tempo, vamos criando barreiras e maneiras de fugir de certos sentimentos e de certas lembranças, num esconde-esconde mental interminável. Mas a verdade, sejamos honestos, é que não existe tempo capaz de cicatrizar certas feridas. E não existe esse negócio de superar as situações.

Isso não quer dizer, naturalmente, que eu desacredite da habilidade inata que nós todos temos de renascer das cinzas e de tentar consertar tudo. O que penso, na verdade, é que seguimos aprendendo a (sobre)viver com as feridas e com as avarias psíquicas, num processo diário de recriação que é, ao mesmo tempo, necessário e benéfico. Mas as mágoas não passam nem são, milagrosamente, transformadas em sentimentos bons. Quando muito, deixam de exercer influência constante sobre nós. Porém, também não há garantias de que seja assim em todas as circunstâncias e, portanto, o mais comum é que elas fiquem latentes, ainda que alguns neguem (ou tentem negar).

Esse é um motivo, aliás, que explica nossa instabilidade como sociedade. Vez ou outra alguém saca uma arma no meio do trânsito e mata alguém; frequentemente, agimos de modo inconsequente e ferimos pessoas que amamos; quase sempre, deixamos o animal que mora dentro de nós fazer suas vítimas sem nenhuma razão aparente.

E tudo por quê? Tudo por quê?

Porque ninguém supera as dores e as mágoas com o tempo. Os atos grotescos que cometemos são como válvulas de escape que nos dão uma sobrevida. As feridas, no entanto, são como vulcões. Podem estar sob controle durante anos a fio, embora estejam sempre prontas para fazer nossa mente entrar numa erupção sem precedentes.

(Em tempo: no final da década de 1980, minha professora de educação artística soltou o comentário "Que relaxo!!", ao constatar minha inabilidade para desenho em uma de minhas atividades. A ferida continua aberta...). 

Gustavo Miranda