O indício mais flagrante de que somos criaturas estranhas e complicadas (e que tendemos mais para lado da maldade do que da bondade) é esse gosto pecaminoso que cultivamos desde sempre pelas vinganças e pelas desforras. Refiro-me a vinganças de todos os tipos. Profissionais. Sociais. Familiares. Sobretudo, aliás, conjugais (quem já não se pegou pensando, alguma vez na vida, em se vingar de ex-namorados ou ex-namoradas?). Cultivamos esse gosto estranho, em geral totalmente inútil, pelo simples prazer de sentir a alma renovada ao ver pessoas supostamente ruins sofrendo e pagando os pecados. Aí, quando tudo acaba, enchemos o pulmão de ruindade e voltamos aos nossos afazeres desprezíveis, felizes com a desgraça alheia, embora - às vezes - com um pouco de pena também (eis o paradoxo!).
Essa tendência é tão dominante em nós que, até mesmo na literatura e nos filmes, ela se faz presente, e de modos variados. Quem não se lembra de "O Conde de Monte-Cristo", "Ben-Hur", "Spartacus", "Gladiador" e tantos outros?
Gostamos desses roteiros apenas porque geram bons filmes e boas histórias? Não, tenho certeza de que não é só por isso! Gostamos porque, além das características que beiram a genialidade, eles também (e diria principalmente) canalizam desejos reprimidos que adoraríamos pôr para fora. Vontades negadas. Vinganças abafadas, a maior parte delas, sem dúvida, em virtude de nossa covardia natural, o que não acontece nas telinhas do cinema, já que os heróis cinematográficos são sempre tão corajosos e tão irritantemente bem-sucedidos em seus planos vingativos (que inveja!).
Repito: essa é a prova de que valemos pouco ou quase nada. Pois, se por um lado nos identificamos com o desejo de vingança, por outro nos reconhecemos incapazes e covardes diante da realidade. Daí a fuga para a literatura, para os filmes, para as novelas. Nesses cenários, pelo menos, a vingança é plena.
O que não se pode negar, ainda que alguns tentem esconder, é que a vingança está para o prazer assim como a sarna está para a coceira. Quanto mais nos empenhamos em vingar, mais somos escravizados por essa cólera espiritual. E aí vem a constatação, um tanto óbvia: a vingança não cura. Não conserta. E, principalmente, não apaga o passado. Ela só oferece alguns cacos de vidro para coçarmos nossas feridas já cobertas de pus.
A ironia de tudo isso é que... dá prazer. Dá muito prazer!
Gustavo Miranda