quinta-feira, 30 de junho de 2011

A vingança nunca é plena

Uma breve consideração.

O indício mais flagrante de que somos criaturas estranhas e complicadas (e que tendemos mais para lado da maldade do que da bondade) é esse gosto pecaminoso que cultivamos desde sempre pelas vinganças e pelas desforras. Refiro-me a vinganças de todos os tipos. Profissionais. Sociais. Familiares. Sobretudo, aliás, conjugais (quem já não se pegou pensando, alguma vez na vida, em se vingar de ex-namorados ou ex-namoradas?). Cultivamos esse gosto estranho, em geral totalmente inútil, pelo simples prazer de sentir a alma renovada ao ver pessoas supostamente ruins sofrendo e pagando os pecados. Aí, quando tudo acaba, enchemos o pulmão de ruindade e voltamos aos nossos afazeres desprezíveis, felizes com a desgraça alheia, embora - às vezes - com um pouco de pena também (eis o paradoxo!).

Essa tendência é tão dominante em nós que, até mesmo na literatura e nos filmes, ela se faz presente, e de modos variados. Quem não se lembra de "O Conde de Monte-Cristo", "Ben-Hur", "Spartacus", "Gladiador" e tantos outros?

Gostamos desses roteiros apenas porque geram bons filmes e boas histórias? Não, tenho certeza de que não é só por isso! Gostamos porque, além das características que beiram a genialidade, eles também (e diria principalmente) canalizam desejos reprimidos que adoraríamos pôr para fora. Vontades negadas. Vinganças abafadas, a maior parte delas, sem dúvida, em virtude de nossa covardia natural, o  que não acontece nas telinhas do cinema, já que os heróis cinematográficos são sempre tão corajosos e tão irritantemente bem-sucedidos em seus planos vingativos (que inveja!).

Repito: essa é a prova de que valemos pouco ou quase nada. Pois, se por um lado nos identificamos com o desejo de vingança, por outro nos reconhecemos incapazes e covardes diante da realidade. Daí a fuga para a literatura, para os filmes, para as novelas. Nesses cenários, pelo menos, a vingança é plena.

O que não se pode negar, ainda que alguns tentem esconder, é que a vingança está para o prazer assim como a sarna está para a coceira. Quanto mais nos empenhamos em vingar, mais somos escravizados por essa cólera espiritual. E aí vem a constatação, um tanto óbvia: a vingança não cura. Não conserta. E, principalmente, não apaga o passado. Ela só oferece alguns cacos de vidro para coçarmos nossas feridas já cobertas de pus.

A ironia de tudo isso é que... dá prazer. Dá muito prazer!

Gustavo Miranda  

terça-feira, 28 de junho de 2011

O "até quando?" me mata...

Gente cismada como eu costuma ter preocupações que, para dizer o mínimo (o mínimo mesmo), beiram o incompreensível. É o que ocorre comigo quando a vida está boa demais, quando os pássaros estão cantando belas melodias e o sonho parece estar, enfim, conquistado. Tenho medo disso! Dessa sensação de que tudo está no lugar. De que estou feliz e de que nada poderia estar melhor. Sinto isso menos em virtude de algum suposto medo de ser feliz do que pela dimensão do desconhecido propriamente dita. Mas, ainda assim, me assombra a sensação, principalmente porque, entre tantas perguntas cabíveis, uma fica sempre martelando a minha mente: até quando vai esse sossego? Até quando vai essa alegria?

Bem sei que, para a maioria dos mortais, essa é uma prova cabal de que não bato bem dos miolos (e disso, diga-se, nunca tive dúvidas). Mas o caso é que não consigo evitar. Esforço-me ao máximo para não deixar transparecer e para não preocupar ninguém com essas coisas (são coisas minhas, afinal), porém os pensamentos estão sempre lá, sólidos, inquisitivos e realistas. Até quando? Até quando? Até quando?

Já percebi, no entanto, que - quando as coisas estão ruins - tenho a leve tendência de me portar melhor. Afinal, quando a vida vai de mal a pior, o que se espera é que, em algum momento, ela melhore e os risos voltem. Nunca vi um mendigo, por exemplo, preocupar-se com a ideia de que sua vida possa piorar. Piorar, nesses casos, é uma impossibilidade teórica e prática. Ou a vida melhora ou continua do jeito que está! Por esse motivo, nunca deixo de ser otimista quando a vida fica difícil.
 
Meu problema (se bem que não chega a ser realmente um problema) é o período "pós-dificuldade". O momento em que tudo fica bom, em que o arco-íris aparece e os pássaros voltam a cantar. Aí as perguntas não me deixam em paz e tiram o meu sono. E, entre as principais, está essa maldita interrogação (até quando?) que me leva à loucura.

Então não durmo. Esperneio. E questiono os deuses sobre essa vulnerabilidade. Mas nunca obtive uma resposta decente, a não ser a mais óbvia: é preciso ser praticamente cego, surdo e mudo, intelectualmente falando, para ser totalmente feliz neste mundo (e isso me faz lembrar que tenho vários amigos que se enquadram nesse perfil. Tranquilos. Indiferentes. E, naturalmente, felizes - tão diferentes de mim).

Não é o meu caso e receio que nunca será. Eis alguns motivos. Em primeiro lugar, porque não se escolhe enlouquecer por determinadas coisas. Em segundo, porque, se existe realmente uma tal felicidade plena, pretendo alcançá-la do jeito que sou.

Crítico. Depressivo. E complicado...       

Gustavo Miranda  

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Conversa de botequim: traição

Não vou perder tempo com definições. Perdoem-me. Direto ao assunto.

Já se falou muito, e às vezes sem chegar a consenso algum, sobre a traição masculina e a traição feminina, mais especificamente sobre as características de uma e de outra (eu mesmo já tratei do assunto algumas vezes). O que poucos tiveram coragem de sublinhar, no entanto, é que a traição masculina é a única que pode andar lado a lado com o amor. É, isso mesmo. Traição e amor. Lado a lado, e pela mesma pessoa, aliás. Pois, se estou certo no que penso, o homem é o único capaz de trair a parceira e continuar amando-a sinceramente, como se nada tivesse ocorrido.

Bem, foi o que Arnaldo Jabor disse outro dia no rádio, causando espanto, claro, embora estivesse coberto de razão. Na explicação, disse que a traição masculina é movida à testosterona. É hormonal. Passageira. Assim como "sobe" rapidamente (e o termo aqui não foi escolhido ao acaso), desce e desaparece em poucos minutos. É cheia de energia, é verdade, e também beira a animalidade, mas dura pouco e, um dia depois, já não há praticamente nenhum resquício do que foi ou do que representou.

Daí a conclusão de Jabor: as mulheres não devem temer a traição masculina. Motivo simples: o homem é capaz de "comer" (perdoem-me a expressão) sem se envolver. Ele é realmente capaz de ter prazer sem dar o coração.

Não sou um grande estudioso do assunto, mas não é necessário analisar muito para perceber que, no caso das mulheres, a coisa é ligeiramente diferente. Isso porque a traição feminina, quando ocorre, começa de dentro para fora, justamente a partir do coração (excluídas as situações de vingança afetiva, o que - para mim pelo menos - são outros quinhentos). O detalhe é que não se chega ao coração delas assim, do nada, rapidamente. É um trabalho exaustivo, de entregas e vínculos parciais que, por fim, criam o ambiente propício para que tudo aconteça. Mas isso só depois de muita conversa, muitas saídas, muitos bilhetinhos e telefonemas. E, principalmente, de muita identificação pessoal. Quando a mulher finalmente se entrega, já não há mais quase nada a se conquistar. O felizardo tem a faca e o queijo nas mãos para manter a relação (a não ser que seja muito burro de não mandar flores no dia seguinte, mas aí é outra história...).

Estou escrevendo isso porque, no fundo, fico pensando que há uma conclusão alternativa e paralela à de Jabor, na versão oposta: os homens é que devem temer a traição feminina. O motivo também é óbvio. A mulher não trai só fisicamente. Ela o faz emocionalmente, afetivamente. E não há nada de passageiro ou acidental nisso.

O problema é que, quando essa combinação de fatores ocorre, meus caros, não há mais nada a fazer. A não ser aceitar, veladamente, a derrota...

(Nota do autor: peço licença ao leitor para discordar de quase tudo o que eu mesmo escrevi. Achei que o texto ficou machista. Superficial. Uma perfeita conversa de botequim. Mas, enfim, serve para fazer pensar).      

Gustavo Miranda

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Reflexões filosóficas no salão de beleza

Conversa no cabeleireiro:

Uma das clientes dirige a palavra à cabeleireira: "Seu filho faz 1 aninho no mês que vem. Vocês farão uma festinha?". Ao que a cabeleireira responde: "Não, não! Somos testemunhas de Jeová! Não fazemos isso!".

Silêncio abrupto.

Não que eu tenha qualquer simpatia por festinhas de aniversário, sobretudo as de criança (que, perdoem-me a franqueza, são uma ótima maneira de pagar os pecados), mas aquilo soou tão bruto aos meus ouvidos que não pude evitar a reflexão. Ora, está aí um dos grandes equívocos dos pais religiosos. Eles, em geral, se esquecem de uma coisa básica: ninguém nasce religioso. As pessoas tornam-se religiosas mediante adesão, seja lá por qual razão (atualmente, as boas razões andam em falta, confesso), a este ou àquele credo. Mas aí vem o detalhe: elas devem fazer isso exercendo seu próprio direito de escolha. A adesão a uma religião pode vir acompanhada do cenário que for. Mas não da coerção, como - aliás - tem sido na maioria das famílias.

Sei que, tentando defender-se do indefensável, os pais logo buscam explicar tais atitudes com chavões do tipo estamos ensinando o caminho a nossos filhos. Mas essa é outra bobagem. O que eles fazem (embora nem sempre reconheçam que fazem) é modelar os filhos à imagem e semelhança deles próprios (outra ideia com fundo religioso): os mesmos gostos, ideias, modos de se comportar, o mesmo credo. Enfim.

Ainda que eu reconheça que esse processo não é totalmente negativo, a depender das pessoas e das intenções envolvidas, claro, não nego que, em muitos aspectos, ele é pernicioso e cruel. Não existem crianças religiosas. Existem pais religiosos.

Por isso aquela conversa informal no salão de beleza agrediu meus ouvidos. No fundo, reconheço nela um pouco do que aconteceu comigo.   

Gustavo Miranda  

terça-feira, 14 de junho de 2011

O sol que aparece depois da chuva

Coloquemos em termos simples e diretos.

As separações são difíceis e dolorosas porque o outro, que se vai, nunca vai embora de mãos abanando. Ele leva consigo parte do que fomos um dia. Arranca de nós uma fração do que pensamos, do que sonhamos, do que planejamos. Mexe mais com nosso passado, embora também afete nosso presente e futuro. Altera nossa essência, deixa marcas, ainda que a intenção não seja machucar, apenas despedir-se.

Sempre me encheu de tristeza presenciar esses momentos. E isso não apenas porque, atualmente, eles se tornaram mais frequentes e banalizados, mas - sobretudo - porque em minha mente figurativa e analítica não vejo outra imagem capaz de sintetizar melhor o sofrimento humano que a imagem da separação e da despedida. Separar dói. Traumatiza. Divide. Chego mesmo a pensar que o paraíso seria um ambiente em que nada (nem ninguém) precisaria ser separado. Um lugar em que nunca se diria “adeus”, apesar de, teoricamente, isso ser apenas uma fantasia adocicada.

Assim como muitos, deparei-me cedo com o tema da separação. Lembro-me que, ainda no pré, senti as lágrimas escorrerem de meus olhos quando, no meio do ano letivo, minha primeira professora, tia Sandra, anunciou que estava partindo para outra cidade e teria de deixar as aulas. Depois, quando já estava mais crescidinho, naquela época em que descobrimos o complexo que a vida é, lembro-me também de ficar assustado e depressivo ao saber que tive um irmão mais velho que nem cheguei a conhecer.

Despedidas. Separações. Umas mais simbólicas. Outras menos. Todas simbolizando o fechamento de um ciclo. O encerramento de um caminho.

O que me chamava a atenção já naquelas primeiras sensações de separação é que, como somos humanos e não queremos sofrer para sempre, procuramos nos convencer de que "há males que vêm para bem". Então tentamos ver o lado positivo das coisas. Fantasiamos teorias. Criamos chavões, afinal, quando uma porta se fecha, outras duas se abrem. E assim seguimos a vida, tentando crer em histórias que beiram a metafísica.

O caso é que sempre tive dúvidas. E ainda não sei se a verdade é bem assim.

O que me parece ser fato é que, diante das separações, temos todos uma capacidade incrivelmente apurada de encontrar caminhos alternativos e, eventualmente, até de chegar a resultados surpreendentes. Mas isso não tira o peso e a dor das despedidas. Pois o tempo passa e, vez ou outra, nos vemos perante sentimentos de dor que ficaram para trás, em separações forçadas ou inevitáveis (é o meu caso, aliás, que ainda tenho sonhos com minha tia Sandra e não deixo de fantasiar um só dia sobre como seria ter um irmão mais velho).

As separações são difíceis. E são difíceis porque nos tiram do conforto e da segurança que sentíamos (ou sentiríamos) na presença do outro. Para ser sincero, não sei se há algo que doa mais que a despedida forçosa daquilo que nos completa. Por isso, o sentimento de ausência esgota no momento todas as possibilidades de felicidade. Por isso, também, choramos nas despedidas, embora o sorriso sempre volte com outros e novos encontros.

Como o sol que aparece depois da chuva...

Gustavo Miranda  

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Vai ficar para depois

Então, subitamente, decidi que era hora de descansar. O quarto sem energia, luzes apagadas, silêncio cristalino, me trouxe uma vez mais o sentimento de harmonia e quietude de alma que somente os corajosos conseguem experimentar. Do lado de fora do quarto, querendo rasgar o tecido desse sossego fortuito, preocupações variadas com a vida e com pessoas que não valem uma gota de suor (pelo menos não em certos instantes). Vai ficar para depois, pensei. Bem depois! Naquele momento, a única coisa que importava era a profunda sensação de encontro com a paz e com o nada, sentimento tranquilizador e, ao mesmo tempo, anestésico. E que se dane a seriedade da vida! Há momentos em que o melhor a fazer é desligar-se da vida e de todos. Temporariamente. Temporariamente.

Gustavo Miranda