domingo, 19 de dezembro de 2010

Somos todos (des)iguais!

O que, de fato, preocupa é essa uniformização, já de longa data, que tenta (mas só tenta) negar um aspecto importante de nossa essência: as contradições, as instabilidades, muitas vezes as irracionalidades atreladas ao ser. Um olhar atento às vitrinas e às estruturas sociais que nos rodeiam basta. Há opções, sim! Mas todas padronizadas. Uniformizadas. Diferem nas cores, nos estilos, nos preços, nas relações pessoais e nas nomenclaturas pós-modernas, porém continuam a consolidar uma espécie de ditadura silenciosa: todos têm direito à liberdade, embora nem sempre (diria "quase nunca") as condições de exercê-la.

Uma frase enganosa, ainda que sempre pronunciada com a melhor das intenções, é a que diz que somos todos iguais. Trata-se de uma verdade parcial. Na maioria das vezes, confunde-se igualdade de direitos e deveres com pessoas, essas desiguais, singulares, únicas. Nega-se o não-exato, o aproximado, o particular. E, no entanto, reitera-se o óbvio: se somos todos iguais, agimos da mesma forma, pensamos de modo idêntico.

Daí o resultado que observamos desde sempre na humanidade: o caminho facilitado para os que renunciam à essência e vestem o uniforme; e a trilha penosa e marginal dos que cometem o sacrilégio de dar vazão ao ser.

Ao que tudo indica, ainda há um longo caminho para que o ser humano seja reconhecido como tal. Ainda somos uma espécie a ser descoberta! E que, aliás, corre o risco de se extinguir antes disso...

Uma pena, afinal!

Um abraço,
Gustavo Miranda

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Vontade Própria

Se, por um lado, somos condicionados pelos nossos instintos e códigos biológicos e, por outro, sofremos a influência de estruturas sociais (e, por consequência, de relações afetivas) que nos cercam no cotidiano, como falar em liberdade ou em qualquer forma de vontade própria sem considerar, efetivamente, a manipulação a que somos submetidos e a pressão com que temos de lidar para, de fato, exercer tal liberdade e tal vontade?

A questão não é das mais simples. Assemelha-se muito ao caso da criança que prefere ganhar uma Barbie a ganhar uma boneca desconhecida (ainda que esta última possa até ser mais vistosa que a primeira). Vontade própria? Liberdade? Duvido! Acredito mais em condicionamento mercadológico. Em marketing. A criança não sabe (e, ao que parece, nós também não), mas ela aceitou se subordinar a uma marca. A um conceito. O resto não é mais que a expressão dessa subordinação ideológica: possuir o produto.

Isso tem a ver com exercer nossa vontade. Mas tenho dúvidas se essa é, realmente, nossa vontade. Alguns argumentarão, a despeito da trivialidade do argumento, que não é bem assim. Segundo eles, certas coisas não são desejadas por acaso. Não fazem sucesso à toa! Logo, nossa vontade se expressa no sentido de almejar o melhor; o mais excelente; o mais bem feito; o mais cheio de detalhes; ou seja, nenhuma relação com condicionamentos ou coisas parecidas. Na verdade, o homem sempre quis a perfeição. Portanto, se algumas indústrias se especializaram em chegar nesse nível e fizeram desse ideal seu ganha-pão, paciência! Temos de nos curvar diante delas...

O caso é que em nenhum outro período essas questões ficam mais vivas em minha mente do que no período de fim de ano. É verdade que são reflexões antigas e que sobre elas muito já se falou (não tenho aqui, por conseguinte, nenhuma pretensão de trazer algo novo à discussão). Mas elas continuam válidas (talvez até mais do que antes), e não me canso de recordá-las.

O exemplo de Sartre é ilustrativo, ainda que o foco seja outro e a resposta quase polêmica. Perguntaram-lhe se era cristão. E ele, do alto de seu ateísmo, responde: como posso não ser, tendo em vista que faço parte de uma sociedade destacadamente cristã? Somos todos cristãos!

Exercemos, de fato, nossas vontades? Nossa liberdade? Ou somos condicionados praticamente o tempo todo?

A frase de Humberto Mariotti levanta algumas suspeitas:

[...] em muitos casos, o que pensamos ser nossa vontade consciente é apenas o que nos impõem os nossos condicionamentos culturais.

Não há dúvidas de que essa reflexão fere nosso ego.

Um abraço,
Gustavo Miranda

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Saudade

"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida".

Um texto singelo e tão rico, cheio de sentimentos ocultos e de vontades desnudas, de nossa querida Clarice Lispector.

Para começar bem a semana.

Um abraço,
Gustavo Miranda

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Reminiscências

Reminiscências são como gavetas em nossa alma. Guardam muitas coisas. Experiências boas. Ruins. Risos. Lágrimas. Cheiros. Sabores. Sensações. Vitórias. Derrotas. Dores. Prazeres. Enfim. Sintetizam a vida. A nossa vida, ainda que ela esteja mesclada com a história de tantos outros, homens e mulheres, também portadores e portadoras de reminiscências, de experiências de vida, que cruzam ou que cruzaram o nosso caminho.

Algumas dessas gavetas foram abertas hoje. Mexi com alguns documentos e com alguns objetos que ativaram certas imagens do passado. Lembrei de pessoas. De sensações. De cheiros. E lembrei, sobretudo, de como era gostoso, descontadas a inocência e a imaturidade de minha adolescência, viver aqueles dias, que já não são mais estes, mas que permanecem tão presentes quanto os fragmentos que me remetem a eles e que, de todo modo, continuam a me influenciar hoje.

Não será exagerado dizer que a identidade de qualquer pessoa está relacionada diretamente a essas imagens, a esses fragmentos, a essas experiências trazidas do passado. A dificuldade, no entanto, em tempos de falta de espaço e de tempo, é que os objetos de nosso passado precisam ser constantemente reorganizados (o que significa muitas vezes jogá-los fora). E, aí, assombra-me a dúvida:

- Não estamos, com isso, esvaziando também as janelas de nossa alma?

Um abraço,
Gustavo Miranda

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Menos que o homem

Em tempos de reflexões sobre sustentabilidade e, sobretudo, sobre os perigos de entrarmos, como espécie, na lista de animais em extinção num futuro não muito distante, vale lembrar as palavras de José Saramago, em seu livro As Intermitências da Morte: a propósito, não resistiremos a recordar que a morte, por si mesma, sozinha, sem qualquer ajuda externa, sempre matou muito menos que o homem.

Somos a única espécie a ter um histórico tão ruim.

Um abraço,
Gustavo Miranda

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ato falho!

Não é tão simples quanto parece. E nem tão automático quanto se possa pensar. Nossos impulsos, instintos, inclinações, vontades, desejos, são difíceis, se não impossíveis, de controlar. Basta observar as pessoas. Basta olhar ao redor. Nós mesmos. Dentro e fora. O equilíbrio e a maturidade só dão conta de frear certos atos, certas obviedades. Existem outras, porém, que permanecem intratáveis, dando gritos desesperados que, do nosso inconsciente, ecoam em nosso consciente. Ato falho. Estrutura psíquica. Freud explica. Ou talvez não.

O que precisa ficar claro é que estamos diante da complexidade. E tais situações não se explicam separadamente, com o método cartesiano. É o todo que explica o todo! Sempre foi assim, desde que o mundo é mundo.

O problema é que temos de apelar para teorias novas e concepções paralelas. E isso não é fácil, porque, também nesse caso, está gravado nos impulsos, instintos, inclinações, vontades e desejos. Ninguém é conservador porque quer. Ou revolucionário por escolha. As pessoas são o que são. Nós somos. Eu sou. E não há como saber quais as alegrias e as tristezas de ser o que se é, sempre lutando pelo que se poderia ser, ainda que isso seja impossível, pois certos idealismos só funcionam bem em filosofia, nunca na vida real.

Ato falho é o inconsciente interagindo com o consciente. É o telefone da alma tocando. É a chamada que nos recusamos a atender, porque a ligação traz desejos reprimidos, que nos esforçamos para esquecer, mas que continuam , mostrando a cara, influenciando ações, modelando pensamentos, nossa vida, aqui e agora.

Ocorre-me, neste momento, que ninguém está livre de um certo determinismo psíquico. Somos reféns de nós mesmos! Mas isso, convenhamos, soa estranho e parece roteiro de filme americano. Talvez seja isso mesmo, e em várias dimensões. Dormimos com o inimigo hoje. E, amanhã, tudo o que podemos fazer é ficar à espera de um milagre.

O caso é que simplificar o complexo e dificultar o simples parece ser nossa sina. Mas tal constatação também não leva a nada. Estamos condenados! Ponto. Não admira, portanto, que a missão desta breve jornada (a vida) seja tentar abrir a gaiola e alçar voo.

Isso nem todos conseguem. E Freud explica (ou tenta)!

É que os deuses, para próprio divertimento, jogaram as chaves fora. E, para piorar, a luz da gaiola queimou. Agora o que temos de fazer é tatear.

Não deixa de ser uma boa metáfora para a vida: não caminhamos, apenas tateamos! Sem certezas. Sem garantias. Apenas envoltos em mistério.

Um abraço,
Gustavo Miranda

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Líquido e Fluido

Gosto muito de Zygmunt Bauman. Li seus escritos já algumas vezes e, até agora, a sensação que tenho é de admiração total. Para quem está pegando o bonde em movimento, como diziam os antigos, aqui vai uma explicação. Bauman é um sociólogo polonês que tem postulado, nos últimos anos, a ideia de modernidade líquida. O próprio nome é sugestivo, ainda que a análise seja bem mais complexa que isso: segundo ele, vivemos uma era em que os sólidos duradouros, os valores imutáveis e as premissas arraigadas estão a ruir. A característica da presente fase é ser fluida, variável, adaptável e, naturalmente, efêmera. E isso desenha, em parte, a configuração das relações e dos laços humanos que temos visto recentemente.

Uma citação, em particular, me chama a atenção. Diz ele:

"No mundo da modernidade líquida, a solidez das coisas, tanto quanto a solidez dos laços humanos, é ressentida como uma ameaça: qualquer juramento de fidelidade, qualquer compromisso duradouro, que dirá eterno, pressagia um futuro carregado de obrigações que constrangem a liberdade de movimento e reduzem a habilidade de aproveitar as novas, ainda que desconhecidas, oportunidades, quando elas, inevitavelmente, surgirem".

Será essa a explicação para os laços tão transientes e dotados de tão pouco sentido que temos observado nas sociedades atualmente? Irá tal liquidez afogar nossas relações de uma vez por todas?

São perguntas que faço a partir de Bauman. Apenas perguntas.

Um abraço,
Gustavo Miranda

sábado, 30 de outubro de 2010

Perguntas difíceis

Há muitas coisas que eu sei. Mas também há várias (em maior número) que eu não sei. Dentre as que eu não sei, destacaria três. Não sei quem sou ainda, mesmo depois de três décadas de vida. Não sei o que estou fazendo aqui, ainda que eu seja capaz de criar boas fantasias sobre o tema (mas são fantasias, claro...). E não sei para onde estou indo, se bem que, nesse caso, as religiões me dão boas alternativas, mesmo que pouco prováveis.

O fato é que eu realmente fantasio sobre o dia em que terei pelo menos uma leve imagem conceitual, um insight qualquer, da dimensão dessas questões. Por enquanto, nada... e lá se vão 30 anos de minha vida.

Naturalmente, minha vida não será mais feliz ou fará mais sentido depois disso. Mas acho que será mais justo. E poderei finalmente saber se existe, de fato, alguma coisa que me diferencia dos outros animais... ou se minha principal característica é simplesmente formular perguntas para as quais nunca terei respostas.

Eu espero. Eu espero. É o máximo que posso fazer.

Um abraço,
Gustavo Miranda

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O show do Bon Jovi e o Mundo Performático

E, para ser sincero, o que se espera de um show de pop-rock?

Resposta óbvia: uma série de experiências, sentimentos, emoções, enfim, um turbilhão de sensações, principalmente quando o evento é acompanhado por pré-imagens (e por fantasias) que levamos já de casa, o que faz o show começar bem antes do primeiro acorde.

Concordam?

Essa é uma resposta possível, sem dúvida. Mas, talvez, o que realmente estejamos procurando num lugar desses seja a principal característica dos tempos pós-industriais. Performance. Atuação. Desempenho. É isso o que fascina. É isso o que encanta. E é isso, também (sobretudo), o que clama pelas nossas atenções atualmente.

O que quero dizer é que não é preciso ser gênio para perceber que shows como os do Bon Jovi não começam nem terminam no palco. Eles não são mais do que os reflexos de nossa condição atual. Estamos com os pés atolados num mundo performático. As pessoas e o sistema cobram desempenho. Desempenho na vida profissional. Desempenho nas relações sociais. Performance como pais e mães. Performance como filhos e filhas. Desempenho como alunos. Atuação nas igrejas (preferencialmente aquelas que têm corpo de dança e grupos musicais bem ensaiados). E, claro, não podia ser diferente, performance sexual. Afinal, é lá, na cama, que temos de mostrar do que somos feitos (não espanta que, nesse mundo de performance, gogo-boys e viagras sejam as palavras da moda).

A questão a se colocar à mesa é a seguinte: e quando a performance não é a esperada? E quando o desempenho está aquém do que o sistema exige?

Bem, aí vêm pelo menos duas etapas. Em primeiro lugar, mentimos. Falsificamos a realidade. Fingimos ser pop-stars (aliás, é o mundo que não reconhece nosso valor, não é mesmo?). Compramos. Marcas e mais marcas. Afundamos o cartão de crédito em dívidas, pois não passa pela nossa cabeça que estamos comprando apenas coisas concretas. Não! Não! Estamos comprando valores, conceitos, ideias... e todas elas apontam na mesma direção. Tentamos tapar o buraco de nossa alma com os paliativos dos shoppings e das grifes.

Essa etapa pode durar bastante tempo, e em alguns casos pode até mesmo dar a impressão de que tudo voltou a fazer sentido e de que o mundo performático continua aí. Mas, em geral, ela acaba. E, quando acaba, vem o mal do século. O labirinto dos espelhos. Uma etapa tão aterradora que nos coloca cara-a-cara com nosso pior inimigo: nós mesmos. Depressão. É o nome popular desse tribunal que armamos contra nós mesmos. A diferença é que fazemos o papel do juiz e, ao mesmo tempo, do réu. O juiz é nossa consciência performática, de como gostaríamos que as coisas fossem. O réu é nosso eu-interior, em nada semelhante aos pop-stars que imaginamos; em nada performático; em tudo limitado, espacial e temporalmente.

E o que sobra?

Sobram as pílulas contra depressão. Os calmantes. Os remédios para dormir. E o inconveniente do espelho sempre a nos confrontar. Tudo isso acompanhado pela melodia que não sai da cabeça:

Give me something for the pain...

Um abraço,
Gustavo Miranda

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Desconfiar de nossos juízos

Você desconfia de suas próprias ideias e ações?

Fiz essa pergunta a mim mesmo várias vezes ao longo dos anos. Mas hoje, ao ouvir uma amiga contar que havia reatado com o antigo namorado, a questão - uma vez mais - bateu à minha porta. Baseados em que tomamos certas decisões que julgamos mais apropriadas do que outras? Qual o critério? O que influencia nossa mente nessas horas?

Não sei bem o que dizer, a não ser que foi exatamente esse o pano de fundo que levou o português, António Damásio, a escrever um livro que se tornou best-seller em todo o mundo: O erro de Descartes. Nele, o autor defende que não agimos racionalmente o tempo todo. Ao contrário, Damásio afirma que a ausência de emoções pode, na verdade, destruir a racionalidade em vez de potencializá-la. A referência a Descartes seria uma alusão a essa ideia: mente e corpo não são coisas distintas. O erro do famoso cientista francês foi apenas considerar a separação, esquecendo-se do todo.

Um caso clássico da neurociência, retratado no livro, ilustra bem a questão: o acidente de Phineas Gage. Phineas Gage foi um construtor de ferrovias australiano, muito educado e gentil, que viveu por volta de 1850. Seu caso tornou-se famoso porque, depois de trabalhar alguns anos na ferrovia, Gage sofreu um acidente com uma barra de ferro que lhe atravessou o crânio. Foi atendido. Não morreu e não ficou com sequelas, apenas perdeu um dos olhos. Mas o que se passou nos anos posteriores foi totalmente surpreendente. Gage começou a usar palavras obscenas, fazia comentários cruéis e desnecessários, tratava mal seus companheiros, enfim, teve uma mudança drástica em seu comportamento e em suas ideias, resultado direto (o que acabou comprovado mais tarde) do acidente que sofreu.

O caso de Gage é emblemático porque mostra que uma pequena alteração em certas regiões do cérebro pode nos fazer agir de outra maneira, pensar de outra forma e, no limite, até alterar nossa identidade substancialmente. Não que isso seja incomum, porque, com ou sem acidentes, estamos acostumados a ver as pessoas mudando por aí. O importante é que isso traz novamente à tona questões que nunca deixaram de fazer parte da pauta: quem somos nós, na verdade? O que é a nossa personalidade? E onde está situado esse lugar que abriga nossa identidade e nossos melhores juízos?

Naturalmente, minha amiga não pensou em tudo isso para concluir se devia ou não reatar com o antigo namorado. Ela "simplesmente" julgou que era uma boa opção. E pronto.

Isso não invalida a questão, porém. Pois também acredito que o nosso corpo, sábio que é, embriaga constantemente nossos olhos para que nossas decisões pareçam coerentes e fruto de complexas avaliações. É o que muitos chamam de "auto-engano" ou de wishful thinking.

No fundo, no fundo... creio que o debate é bem mais agudo do que parece. Mas também não tenho certeza. Aprendi a desconfiar de minhas próprias conclusões e de meu próprio comportamento. Isso faz bem.

Faz-nos humanos!

Um abraço,
Gustavo Miranda

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Você é feliz?

Nunca me fizeram esta pergunta (bem complicada, aliás), mas - se me fizessem - acho que eu saberia o que dizer.

Em primeiro lugar, há que separar as coisas. É bom que se diga que não acredito na felicidade como objetivo, como fim, ou (como fazem os religiosos) como esperança para uma situação futura, um mundo vindouro, uma dimensão privilegiada, etc. E minhas razões são simples. Primeiramente, porque, se a felicidade fosse um projeto para o futuro, nós todos que, teoricamente, nunca alcançaremos o futuro, pois só vivemos de presente, jamais seríamos felizes e, portanto, o projeto seria utópico. Outra razão seria a seguinte: fazer da felicidade um objetivo final significaria ir contra todas as experiências de felicidade que temos. E, com isso, quero dizer que, aparentemente, somos tão mais felizes quanto menos planejamos ser. A felicidade parece ser como a areia de algumas praias. Quando as apertamos nas mãos, elas escapam e assistimos, perplexos, à nossa total incapacidade de retê-las. Logo, pretender incluir a felicidade na lista de metas a conquistar seria perda de tempo, a meu ver. A felicidade aparece quando quer. Mas vai-se embora quando quer também.

Outra coisa a considerar seriam as palavras em si. "Ser feliz". Não sei se acredito que alguém possa "ser feliz", de modo pleno. Talvez eu esteja mais inclinado a pensar que as pessoas (eu incluído) têm momentos de felicidade, experiências alegres que produzem felicidade, sendo que a variação fica por conta do fato de que uns têm mais momentos desses; outros, menos.

Que é melhor ser feliz do que infeliz, não está discussão. Minha resposta à questão, no entanto, caminharia por aí. Se sou feliz? Responderia com prazer que eu tento ser feliz. Que eu busco ser feliz. Mas essa busca, diferentemente do planejamento para o futuro, da esperança de uma situação ideal, é uma busca para agora. Para já. Só creio que podemos ser felizes agora, neste momento, porque, filosoficamente, não somos nada no passado. Nem no futuro. Só podemos ser no presente... e é no presente que precisamos ser felizes.

No fundo, o que quero dizer não é muito diferente do que André Comte-Sponville já disse em seu belo livro, A felicidade desesperadamente. Quanto mais esperanças tivermos de um futuro feliz, menos estaremos aptos a ter experiências de felicidade reais e abundantes. Parece um paradoxo? Não é. Por isso procuro ser feliz agora, neste momento. Já!

Os cristãos, aliás, têm um motivo a mais para pensar com carinho no que acabei de propor. Afinal, não era exatamente essa a proposta do "não andeis ansiosos pelo dia de amanhã"?

Basta a cada dia o seu próprio mal.
E eu acrescentaria: basta a cada dia a efemeridade da felicidade.

Não sou feliz. Mas tento ser. No caminho. Jamais no destino.
E é assim que deve ser!

Um abraço,
Gustavo Miranda

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Efemeridade e Preciosidade

Gosto da ideia de que estamos aqui de passagem. Porque creio que ela enfatiza o aspecto temporário de nossa existência, o que acaba por gerar uma visão de mundo mais realista, mas - sem dúvida - também mais significativa. É verdade que o termo "de passagem" levanta dúvidas sobre nosso verdadeiro destino. E alguns enxergam essa questão pelo aspecto religioso. Mas não penso que seja assim. A "passagem", a meu ver, realça a brevidade de tudo e de todos. A efemeridade e, ao mesmo tempo, a preciosidade de tudo o que sentimos e pensamos.

Acho que era isso o que Nietzsche estava pensando:

"A grandeza do homem é ser uma ponte, e não uma meta; o que se pode amar no homem é ser ele uma passagem e um termo".
(NIETZSCHE, Assim falava Zaratustra).

Um abraço,
Gustavo

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O Espiritualista e o Materialista

Não sei se o universo conspira a nosso favor quando queremos alguma coisa. Mas não tenho dúvidas de que, quando a gente realmente quer algo, trabalhamos duro, lutamos, suamos a camisa... e, no final das contas, acabamos conseguindo (de um jeito ou de outro). Não há nada de mágico nisso. Só esforço mesmo. E uma pitadinha de intuição, claro.

A diferença entre o espiritualista e o materialista é que, para o primeiro, há sempre a esperança de alguma ajuda sobrenatural e facilitadora, enquanto que, para o segundo, não há tal esperança, apenas a convicção de que "somos todos responsáveis por tudo, diante de todos" (Dostoievsky). Isso não quer dizer que um seja mais racional que o outro, nem que um seja 100% espiritualista e o outro 100% materialista. Não funciona assim! São apenas modos de ver as coisas. Eu, particularmente, gosto de pensar que o ser humano precisa dos dois pólos: em algumas ocasiões, é necessário ver o mundo de um jeito; em outras, de outro.

Não nego, porém, que sou mais materialista do que espiritualista. Mas essa é uma longa história... e nem sei se sou assim por livre escolha.

O importante é que, parece-me, o materialista tem sempre menor chance de se decepcionar, já que não espera muito, do que o espiritualista. E deve ser precisamente por isso que há tanta gente decepcionada com Deus e com a vida por aí. Esperam demais! No fundo, o que quero dizer é que a diferença entre os dois é que um tem mais esperança que o outro (esperança de que o universo conspire a favor, no caso do espiritualista). Mas esperar demais traz infelicidade e decepção. Todos nós sabemos disso.

Seria o caso, então, de viver desesperadamente?

Se quiserem um caminho para pensar essas e outras questões, leiam o livro de André Comte-Sponville, A felicidade desesperadamente. Vale a pena!

Um abraço,
Gustavo Miranda

domingo, 18 de julho de 2010

Meus trinta anos...

Já chorei. Já ri. Brinquei. Lutei. Estudei. Trabalhei. Já amei. Odiei. Xinguei. Dormi. Acordei. Pulei. Sentei. Planejei. Faltei. Fingi. Menti. Sonhei. Senti...

Acho que meus trinta anos foram bem-vividos (mas isso ninguém pode julgar. Nem eu mesmo). O fato é que tive sorte em algumas coisas. Azar em outras. Mas, em todas, procurei viver com inteireza de espírito e sobriedade de atitudes. Tudo isso para que hoje, diante dos excessos e dos equívocos que cometi, não pousasse sobre mim o fantasma da culpa de não ter falado quando podia e calado quando devia. Tudo isso para que agora eu pudesse olhar no espelho para dizer o simples, o óbvio, o esperado:

Vale a pena estar vivo!!

Na verdade, tenho saudades de jogar bolinha de gude, de empinar pipas, de tomar banho de chuva ou de jogar vídeo-game (o Atari de tantas alegrias). Mas também me fazem falta os amigos de então, as pessoas com as quais vivi, a inocência pura de uma época em que a única preocupação era com a diversão, ainda que todos nós, crianças da década de 1980, soubéssemos que - mais cedo ou mais tarde - a vida se tornaria séria demais e nos forçaria a tomar nossos próprios rumos, para o bem ou para o mal.

Eu tomei meu próprio rumo... e aqui estou. Maravilhado e grato pelo "até aqui". Sem saudosismos, pois creio que o melhor ainda está por vir. Mas convicto de que já valeu a pena viver para chorar, rir, brincar, lutar, estudar, trabalhar, amar... sonhar e sentir... tudo o que fiz (e não me arrependo de nada) nesses trinta anos, nessas três décadas de alegrias e tristezas.

Obrigado pelo carinho de vocês!

Um abraço,
Gustavo

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Gratuito e a céu aberto...

E as luzes se acenderam de repente. Raios por toda parte. Aqui. Ali. Amarelados. Avermelhados. Acinzentados. Azulados. Negros. Rosados. As cores mais variadas e transitórias que já vi. No horizonte, o astro maior saindo pela porta dos fundos. Tímido. Resignado. Perdendo força. Iluminando ainda imaginações alheias; apagando os rastros do cansaço diário. Algumas nuvens de algodão estavam solidárias, na verdade reticentes ao último espetáculo do mais brilhante dos brilhantes. O turno estava terminando; o ciclo se completando. Nunca mais, em tempo algum, aquela tela, pintada ao acaso pelos deuses astronautas, iria se repetir com aquela mistura de cores e de tons. O espetáculo era único, como únicas eram as emoções de estar ali, plantado, admirando de longe, a mais comum - talvez a mais fantástica, ainda que raramente notada - demonstração de beleza da nossa mãe Terra. O relógio marcava 18:03. E o céu inteiro irradiava formosura e fazia ecoar um "Até breve, voltamos amanhã!". As luzes começaram a se apagar; e os raios a murchar discretamente. Ao longe, ainda contemplei as cortinas se fechando e o espetáculo (QUE PENA!) terminando. Aquele pôr-do-sol eu jamais veria outra vez. Também aquele "eu" jamais voltaria a ser novamente.

A vida é como um pôr-do-sol. Bela e efêmera. Clara e escura. Única e múltipla. Nada mais.

Um abraço,
Gustavo     

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Quem sou eu?

Gosto muito dos escritos do psicólogo e antropólogo Roberto Crema. Sobre a fragmentação da vida, ele escreve algo que gostaria de mostrar a vocês:

A existência foi compartimentalizada. Das oito às dezoito horas, o indivíduo veste uma persona profissional. Em casa, ostenta outro papel – de pai, mãe, filho, irmão, etc. Folga no final de semana e, geralmente na manhã de domingo, aparamenta-se de religioso. No banheiro, relaxa. Uma vez por ano tira férias dos papéis habituais, troca de rotinas. E quase nunca se pergunta: além desses papéis triviais, quem sou eu? (CREMA, 1993, p. 133).

E não é isso mesmo? Quem sou eu, além da correria do dia a dia, dos compromissos a honrar, do trabalho a executar e dos papéis de pai, mãe, filho, irmão, etc.?

Quem sou eu? E quem são vocês?

Talvez a solução das grandes dificuldades que temos atualmente em sociedade esteja diretamente atrelada a essa reflexão. Uma pena que nas escolas não se fale disso.

Um abraço,
Gustavo

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Do céu ao inferno... e ao céu de novo

Gostaria de registrar aqui que fui do céu ao inferno nas últimas duas semanas. Para quem não sabe (e minha ausência aqui foi deliberada), minha mãe sentiu fortes dores de cabeça há pouco mais de 15 dias e, no dia 5 deste mês, foi internada sob suspeita de um tumor cerebral.

Nem preciso mencionar que meus pés saíram do chão a partir do exato momento em que recebi a notícia. E, de lá para cá, tenho sentido de tudo um pouco. Depressão, tristeza, loucura, raiva, solidariedade, força, apoio e esperança (talvez não nessa ordem, mas em intensidades quase inimagináveis). O importante, no entanto, é que hoje ela fez a tão aguardada cirurgia e que, segundo os médicos, tudo ocorreu bem. Agora é torcer para que o pós-cirúrgico seja tranquilo e que, logo, ela esteja de volta.

Enquanto isso não ocorre, aproveito para agradecer o apoio de tantos familiares e amigos que me acompanharam durante as últimas semanas. Confesso que esses 15 dias só foram suportáveis porque me obriguei a crer que a vontade de tantas pessoas, torcendo, orando, rezando e mandando boas energias, não poderia ser simplesmente ignorada no Cosmos. Nessas horas, percebo que nossa grande força está no conjunto e na fé que cada um de nós tem em dias melhores. Essa é a força que nos faz sair do inferno e voltar ao céu. E isso vai ficar marcado em mim!

Muito obrigado pela força! E seguimos na luta...

Um abraço,
Gustavo

domingo, 21 de março de 2010

Você é agnóstico?

Uma aluna perguntou essa semana se sou agnóstico. Respondi que sim. Uma outra, que estava ao lado ouvindo a conversa, disse que não sabia o que era isso. Então respondi: é uma posição mais filosófica do que religiosa, comum entre aqueles que acreditam não haver provas suficientes para crer num ser superior, mas que não descartam a possibilidade de um deus ou deuses existirem. Ela continuou sem entender, mas dava para sentir o descontentamento em suas palavras: "você é ateu?".

"Não, não sou ateu!", assegurei. Pois o ateu "sabe" algo mais que o agnóstico. Ele está certo de que deus não existe, enquanto que os agnósticos (eu, por exemplo) não excluem a possibilidade, apesar de - às vezes - acharem a ideia remota.

Então uma aluna cristã entrou na conversa: "e se a ciência provasse que deus existe?". Retruquei: "seria ótimo, mas os problemas só estariam começando". Por uma razão simples: provar que deus existe não significa provar que o deus cristão existe. Pode ser realmente que deus exista, mas talvez ele (ou ela, quem sabe) seja totalmente diferente do que sempre imaginamos, totalmente indiferentes aos seres humanos, por exemplo. Por que não? Portanto, para o bem das religiões, seria também ótimo que deus nunca fosse descoberto.

A essa altura, uma aluna perguntou: "então você não acredita em nada?". Argumentei: "acredito em muitas coisas e considero-me tão espiritual quanto qualquer religioso dentro de uma igreja". Só não estou certo de que deus funcione da maneira como pensamos, apesar de essa ser uma possibilidade. "Deus, se existir, deve ser algo mais", destaquei.

E terminei: "aquele que diz estar totalmente certo de que encontrou deus – encontrou outra coisa, não deus". No fundo, todos os sistemas de conhecimento humanos (incluindo as religiões) são tentativas (meras tentativas) de dar respostas a essas antigas questões. Mas, por enquanto, tenho bons motivos para continuar sendo agnóstico. Um agnóstico totalmente pronto para ser surpreendido. Ou não.

Um abraço,
Gustavo

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Sob a neblina...

Nada mais importa. E o que outrora alegrava já não cativa mais, não desperta paixão e nem sentimento. Torna-se enfado, sugere cansaço mental e jamais passa impune aos olhos de observadores mais cuidadosos. Infelizmente, depois que a neblina se instala, não existe mais luz capaz de esclarecer os pensamentos. Em troca de uma fagulha de ânimo, vira-se refém. Refém de si mesmo, o pior dos castigos, preso no próprio corpo, sem poder apelar a ninguém, conectado para sempre a essa rede de sofrimento.

O tormento chega a tal ponto que morrer vira um troféu (um almejado troféu). Tudo fica amargo como fel. E a remota ilusão de alcançar o céu não traz nenhuma alegria comparada ao inferno que é viver diariamente como réu de um crime que jamais se cometeu.

Pouco se sabe... e poucos encaram com seriedade esse problema que assola grande parte da população mundial. Depressão. Esse é o mal do século XXI. Será que a salvação está nos tranquilizantes?

Um abraço,
Gustavo

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Quando as luzes se apagam

Rostos bonitos, vestindo roupas de marca, sapatos combinando e com cabelos cuidadosamente tratados e alisados passavam por mim. Eu estava num shopping-center. A feira das vaidades.

Um evento tornou essa experiência (já conhecida de todos nós) diferente dessa vez. Repentinamente, acabou a energia. Uma luz fraca de segurança se acendeu. E, em meio a suspiros de decepção, as pessoas (que não tinham nada melhor para fazer em suas casas) continuaram andando nos corredores mal-iluminados. Algumas lojas decidiram fechar. Outras tantas continuaram a atender e a vender, aproveitando os pequenos raios de luz, que - na verdade - tornavam o ambiente ainda mais curioso: uma ligeira penumbra capitalista, o verdadeiro exemplo de comprar no escuro.

Durante os 15 ou 20 minutos de sombras, porém, uma coisa chamou a atenção. A feira das vaidades não funciona no escuro. Os rostos bonitos, vestindo roupas de marca, sapatos combinando e com cabelos tratados já não eram notados. Entendi, imediatamente, o porquê dos suspiros de decepção. O templo capitalista exige luz, mas uma luz diferente da que esclarece os pensamentos. A luz que ofusca a verdade.

E a verdade é que, nesse mundo de glamour, de etiquetas cada vez mais caras e reservadas a poucos, as pessoas perdem totalmente a identidade quando as luzes se apagam. Talvez essa seja a pergunta a ser respondida: o que esse mundo tem a oferecer quando as luzes simplesmente falham?

Não posso negar que essa pequena experiência me forneceu uma resposta. Mais que isso: a falta de energia no shopping foi um experimento filosófico. A alegoria da caverna de Platão nunca foi tão bem representada.

Um abraço,
Gustavo